20.6.17

"sobre porcos abatidos em casa"


com a doçura que nos é particular,
somos porcos abatidos em casa.
longe dos abatedouros industriais,
estudamos a estética dos porcos para,
no momento do abate íntimo,
entre paredes reconhecíveis,
termos um último discurso válido.
queremos entender, queremos pertencer
ao pensamento que nos revela:
é melhor ser abatido em casa
do que no negrume do povo incompreensível,
pelado, em praça pública, jesuítas nus pendurados
em cruzes metafísicas, queimados com água vulcânica,
empalados por ideias boas e lindos julgamentos.
os senhores gordos, de largas desenvolturas
estéticas sobre a questão da flatulência intelectual,
são os senhores do nosso abatedouro caseiro.
nerudas, bretons, picassos, riveras, balzacs,
eles nos bezuntam com gema nobre,
enfiam maçãs de escárnio em nossas bocas.
mesmo que sejamos carinhosamente abatidos
dentro das paredes consoláveis da nossa gorda percepção,
ainda precisamos limpar as fezes dos senhores gordos
que nos dão de comer até a hora precipitada.
somos lindos e nossas peles rosadas, anti-industriais,
bem diferentes do tom cinza que domina o nosso alvo de amor,
nossas bocas abertas em grito de ternura,
nossa paz de morrer abatidos com machados de plumas,
tudo isso será riscado em pedra sobre os nossos restos.
virão os dóceis dar-nos nomes bonitos e geracionais,
virão os recalcados cuspir em nossas preces.
nossos senhores, depois de pedir aos senhores deles,
ganharão um jardinzinho feliz onde nos alojar,
com gramas poéticas e fardos de nuvens feito sonhos.
engordamos às vistas dos senhores,
eles são firmes em nos mostrar,
trazendo-nos pelos focinhos,
a brandura do nosso excremento bem cuidado.
e até o ponto em que nos abaterem,
estaremos plenos diante da grandeza da nossa cor rosada,
estaremos quase felizes diante dessa palavra, rosada,
que nem mesmo os homens gordos desvendaram.
seremos a tranquilidade da lâmina que permite um bom corte
e todos tocarão em silêncio o que existe
fora do que se reverbera em público.
e seremos poetas sublimes, enfim.

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