13.1.17

“dança da chuva”


chove enfim na cidade,
na cidade em pânico,
depois de dias bíblicos
num deserto de gólgota,
depois de meses de gelo,
de anos de convulsões
inúteis e maravilhosas.

mas, agora, neste segundo,
o calor arrefece, a água
impõe o cheiro de entranhas,
que sobe e lava o pútrido
parado de meses, o gelo
sujo de meses, os anos
estomacais de milênios.

agora pelo menos posso
estar nu ouvindo cair
o que não se sustenta
e cai como um morto
em meus braços, penso,
mas em muitas casas,
neste segundo, enquanto
bato as teclas, outros
antiquados, espantados
com o calor dos dias,
com o gelo dos meses,
com o vômito dos anos,
também eles devem estar,
eles hão de estar fodendo,
em homenagem ao sol
que dá lugar a lua cheia,
que hoje, gigante, não vira,
numa atípica sexta-feira treze,
um segundo longe do terror,
aproveitando a brecha,
fazendo a fuga no deserto,
quando me dou conta de que
tenho perdido, na guerra,
isqueiros placidamente.

que isso tenha duração aqui
até os próximos incêndios.

Um comentário:

Isadora P. disse...

tenho perdido, na guerra,
isqueiros placidamente.