7.3.15

"as baionetas"




hoje a tarde é tua
porque realizei uma obra,
um senhor muito digno
e com problemas familiares
veio aqui e deixou a casa
com fios desencapados
por todos os cantos dessa
que não é minha casa
mas um acúmulo de buracos
onde a tristeza recalcitra,
hoje a tarde é tua porque
se perde tão mais facilmente
o que se ama, hoje a tarde
é tua porque te afliges
com minha repentina
pequena habilidade,
hoje a tarde é tua porque
rasgamos as receitas
da nossa pobre imitação,
hoje a tarde é tua porque
eu não tenho a tarde,
e só pode ser teu
o que eu não tenho,
só pode ser teu
o que é convexo
em minha palheta cinza,
só é teu o que de tão
reconhecido preferes
talvez não instar
já que as palavras
não são muito fora
dos discursos feitos,
hoje sou teu e tu és meu aqui,
nesse miserável instante
enquanto escrevo nu
sobre a mesa que range
e que tu me deste e que fala
rangendo muito mais
do que pudemos um ao outro,
hoje sou teu porque és
minha base de equívoco,
hoje é teu porque
não é mais meu,
 hoje, não ontem, quando
as baionetas da memória
doutra ordem fizeram falar
o que ditadura nenhuma faz
em uníssono, hoje, não ontem,
a raiva pelo zelo amordaçado
com que calamos nossa gratuidade.

Um comentário:

Isadora P. disse...

belo e tocante, pequeno morcego. um dos melhores da última leva.