28.6.13

“o que foge ao corpo”


estou morto e creio
numa revolução
mas estou vivo e isso
é a grande revolução
não comprovada por-
que admito não sei
que língua usar se me
suam os ossos, mas
amo os que deixam
entregues à causa
o que é câncer de rotina
o que estraga o poema
exato porque o amor
é bravo como um potro
e não se fazem potros
a não ser pela bonita
história e já não sabia
agir o mundo-humano
e onde estávamos nós
enquanto dividíamos
a falta e a cerveja ruim?

25.6.13

“passeata”


queria inspiração agora que levanto
para deixar um pensamento rápido
e seguir andando, como quem nega
que aquilo tenha sido exatamente
uma inspiração ou explosão criativa,
sorri, dá bom dia ao porteiro e estala
os dedos com uma batida de Mingus
e desliza pela rua roubando as maçãs
do feirante italiano que tira o chapéu,
enxuga a testa e dá um longo assovio,
como aquele dos desenhos animados,
e sozinho vai, sem nenhuma revelação
a não ser a sensação de tê-la deixado
para trás num pensamento feito a jato,
já que a maioria é ninguém e a minoria
é todo mundo; e tudo que resta de nós.


20.6.13

“o banco itaú homenageia o poeta”


meu caro Carlos Drummond,
de que adianta, aqui, pronunciar teu nome?
estás vivo nas bocas dos equivocados.
andam comendo largas lagostas no teu poema.
o pentágono, não sei se viste, foi invadido por um avião.
e tua elegia transformada em mórbida profecia.

meu caro Carlos Drummond,
ainda assim, depois de todo esse cansaço novo,
ainda que, feito mais um tolo que não pode
se livrar da linha reta que perfura os nossos balões,
eu tenha seguido pelas ruas a esperar a dinamite,
mesmo assim, meu caro, ainda pronuncio teu nome,

meu caro Carlos Drummond,
porque vejo que produziste tamanhas verdades límpidas,
que os fortes e vis e orgulhosos serviram-se delas como trunfo
e assim dominam com ainda mais força e vileza e orgulho
o que é frágil e, disseste, rolam rios difíceis até o desprezo,
para depois, e só assim, retornar ao estado de enigma.

meu caro Carlos Drummond,
diante de tudo isso, poeta pequeno, tendo queimado a largada,
digo teu nome para nada além de tirar teu nome
da boca dos equivocados e brilhantes senhores da cultura.
teu nome remete a um menino franzino, sedento, inerte,
e não à faceirice dos que, dia-a-dia, acumulam mortes.

meu caro Carlos Drummond,
veja bem, os bancos, as instituições financeiras
encheram-se de versos, e muitos dos teus.
você está morto agora, mas é como se morto
tivesse vivido tal que, agora, todos recitem
a vida enigmática que você não compreendeu.

5.6.13

“o desmanche da livraria”







eles estão firmes e dão medo
quando, estendidos em fileiras,
nos olham como se acusassem
nossa falta de conhecimento.

nós viemos para derrubá-los,
parecemos dizer sem firmeza,
e quando tratamos de fazê-lo,
sentimos o peso dos seus dias.

se eles eram mil, um milhão,
seu peso infinito nos ombros
permite perder a conta, pesar
apenas um algo além da conta.

mas agora acabou o trabalho,
nos lavamos, e somos muito
pouco diante da surpreendente
cena, fruto do trabalho feito.

ali os que antes davam medo,
soldados rasos na testa do tempo,
e que pesaram muito ao desabar,
agora flutuam num holocausto

híbrido porque, mudados, ainda
sustentam a vergonha dos que,
com medo, os levaram ao chão,
jogados em letras de esqueleto.

não há perdão para tal mudança,
parecemos dizer a nós mesmos,
enquanto saímos para o mundo,
que, reparamos, não é o mesmo.

fingimos não reparar no gemido
mesopotâmico que sopra o estreito
corredor apinhado de seis mil anos
de bravos homens, uns nem tanto,

de barbas longas, largas costeletas
e todo o conhecimento do mundo,
transformados em massa de poeira,
enquanto dormes um sono limpo.