Duvidar de Deus é crer nele
(Pascal via Balzac)
já fizeram a Comédia de Deus e a Comédia do Homem,
agora basta, é hora de falar a sério.
a risada não deve mais ser um deboche ou uma análise perspicaz.
precisaremos em breve de um meio-termo, ou será o nosso fim.
esse meio-termo é duvidar de tudo,
que é ao mesmo tempo deboche e análise perspicaz,
e não é também nenhum dos dois.
mas para chegar a este equilíbrio perfeito,
já que descambamos para a pastelaria,
é preciso endurecer a risada por uma ou duas gerações.
evitar a comédia é inevitável, somos seus portadores temporais.
mas endurecer é possível, mesmo que achem
– os detentores das risadas anteriores –
que nossos métodos sejam talvez muito truculentos.
ah, certamente eles dirão: como são endurecidos,
como negam os bons momentos, ou, se os aceitam,
como choram sem parar, como não sabem dizer sim.
finalmente é preciso saber de uma vez por todas
que não levam nada os que permitem passar.
estão aqui para isso: endurecer a risada, duvidar de tudo,
arrancar de uma vez as roupas coloridas que nos levaram ao disparate;
colorir a alma, em suma, é sempre mais difícil do que colorir as vestes.
nos chamarão mancha negra da ressurreição, seremos duros, sim,
duvidosos, por nós e contra nós, mas num futuro próximo
os mais aptos que nós escavarão nosso peito tísico de ilusões erradicadas
e lá encontrarão nossa pedra suja e preciosa, e daí surgirá o novo homem,
que fará da Comédia Soturna ao menos uma nova cruz, menos perene,
não uma cruz de lamentos ou devoções, mas uma cruz participativa.
deixaremos os buracos de fechadura e os programas de auditório,
e a cruz rebentará com a leveza insuportável dos que virão depois,
e os sorrisos serão sorrisos finalmente, e os abraços, abraços.
serão felizes os filhos da Comédia Soturna, ao contrário de nós,
e não haverá felicidade maior que ver nossa própria cruz ser destruída
pelos primeiros sorrisos verdadeiramente perpétuos do homem.
2 comentários:
Muito bom!
Te amo, Leo. Você escreve demais!! Bjs. Mary
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