2.7.12

"pé na estrada"



o amor fugiu, a estrada por onde foi
leva para muito longe.
e, agora que ele se foi,
não sei mais o que dizer sobre ele,
não posso com emoção discerni-lo,
pois a fuga do amor nos deixa mais práticos,
e para discernir é preciso todo erro do coração.

ele se foi, mas não se dá por desaparecido totalmente.
escorregou por uma fresta onde corre água limpa,
caiu no chão e sangue lhe escorreu pela boca.
talvez assustado ele tenha partido,
mais perdido do que eu, despejado noutro canto,
onde a estrada se perde e imagina-se
ingenuamente que ali há vida,
mas pobre amor ingênuo e sem forças
para mesmo aguentar as palpitações...

você foi correndo e se mandou,
talvez dentro de alguma mochila juvenil,
rumo a fronteiras bem mais perigosas,
logo você, que chegou aqui tão magro
e eu te dei o que nem tinha para comer,
sorri emprestado de mim mesmo morto,
o morto que ainda era vivo e sabia
emprestar o que não se pode repor.

“emprestar para sempre”, você me disse e se foi,
no deformar de uma sobrancelha em susto,
você se foi porque seu estado é estar sempre
a poucos metros de distância e toda uma vida.

na partida não me explicou “veja bem, será difícil,
é bom estar bem preparado”, nada disso.
portanto agora, sem ter por que errar,
vai ser mais duro aparecer em público,
voltarei a comer os dedos com fúria, é tempo
de espanar as aventuras que moveram
nossa relação silenciosa, nem por isso menos frágil.

permita-me em fuga que, com delicadeza,
eu possa tratar de mais este misterioso assunto.
o amor fugiu, até aí ninguém duvida.
ando as ruas e vejo, em mãos dadas por um triz,
que ele já não se encontra mais disponível
a ferir com vida nossos parcos sentimentos.

sumiu, evaporou no álcool barato, em tremedeiras,
desapareceu com um beijo lançado para cima,
na poeira que faz a cena durar um milhão de anos.

não estou, acho que ninguém está preparado
para fuga tão abrupta do que, perfeito, escorrega
para além do ódio disfarçado, além do brilho,
escorrega arrastando milênios e fundando eras,
ansiosamente, como um sonho sem recordo
ele veio, fugiu, não ensinou nada, mas mostra
como andar sobre o patíbulo em chamas,
desempenhar o incrível sapateado de fogo –
eterna fuga que é a graxa entre a vida e a morte. 

Um comentário:

Anônimo disse...

tudo muito bom. bjs.
MM