o nascimento alheio
o nascimento de si
o nascimento de si no alheio
e do alheio em si
Aconteceu uma coisa e não consigo me
desvencilhar de pensar nela o tempo todo, desde que aconteceu. Algo foi gerado
dentro de um corpo enquanto eu também estava dentro desse corpo gerando a mim
mesmo, “ganhando vida”, como se diz nos bosques queimados. Portanto, algo foi
gerado dentro de um corpo enquanto eu mesmo me gerava dentro dele. Ciúmes do
algo gerado, porque esse algo gerado foi gerado dentro, por forças de fora; seu
estado é, portanto, de dádiva pura, aparição, profecia, milagre da existência
divina. Já no meu caso, fui gerado a mim mesmo dentro do mesmo corpo, mas esse
corpo não me gerou, não se trata, portanto, de aparição; a situação é mais sofrível, pois parte da falta de
escolhas, mas da impossibilidade de não escolher. Fui eu que me gerei nesse
corpo e, apesar de responder por isso em pessoa, porque eu fui até esse corpo
pessoalmente, ou seja, uma pessoa fez isso por mim, no meu lugar, como que
substituindo o eumesmo mais crítico e inatingível, que, este sim, através de um
movimento pessoal, cometido por alguém que não sou eu mesmo no meu lugar, mas
sou eu porque quero sempre pensar que eu seja eu, o eumesmo mais crítico e
inatingível permitiu-se rasgar mais uma vez pelo comportamento de um corpo que
não o pertence, mas que ele habita, e habitando nesse não pertencido o eumesmo
só pode se gerar no outro corpo, o que o coloca bem mais numa situação de
pedinte, como quem grita “ei, deem-me um lugar para que eu possa me gerar!”. E
isso tudo me difere daquele ainda outro corpo, este sim, terceiro, gerado
exteriormente, num movimento de fora para dentro, que resulta em vida plena,
chance, estrada. Minha falta de convicções me atribui espaços alheios como
próprios, e só posso gerar a mim mesmo muito ocasionalmente, quando uso um
corpo alheio para me fazer sentir gerado, mesmo estando na posição de gerador,
o que causa muita confusão e disritmia. Mas dessa vez estive gerado, dividindo
o espaço com outro corpo não ativo que manifesta um poder geograficamente mais
forte do que eu neste corpo em que me gero. Algum dia gerarei algo além de mim
mesmo, nalgum corpo, que nunca tenha sido eu? Algum dia poderei ver um pedaço
de mim funcionando com maior prestígio num campo alentado para sua chegada e
providência? Sou irmão do corpo gerado externamente e com o qual divido espaço
no mesmo corpo em que me gero. Fomo-nos gerados, isso basta. Tenho um irmão que
posso ver, que não sou eu, de uma diferente constituição, mas ocupamos a mesma
caverna e, apesar das diferentes formatações, somos vias anacrônicas de uma
mesma tragédia, formada do espaço que fica entre o que é gerado e o que se gera
em si mesmo através disso. Mas uma coisa é certa e, talvez por isso, fique na
cabeça: fui-me gerado ao saber que, no deserto da minha geração, havia outro gerado,
senão dentro de mim, ao menos ao lado, usado da mesma substância aleatória, a
que podemos aos prantos – porque no fundo não sabemos – chamar de amor ou
vibração de mistérios.
Rio de Janeiro, 21 de junho de 2012
Um comentário:
que teimosia, engraçado, do utero ao tumulo.
Postar um comentário