31.5.12

"fleetwood mac"



sim, estamos sozinhos agora,
a solidão talvez ainda arda,
mas estamos indo embora,
novos caminhos fecharão
ainda mais nossas dúvidas,
loucura talvez compartilhada.
teremos que, na estrada, ser
o blues da infância de joelhos.
sim, mas eu farei no teu amor
um backing vocal inigualável,
chorarei, ao ouvir sentirei ódio,
tuas letras que não comportam
nossos antigos erros fisiológicos.
falhos em personificar o sonho,
aqui estamos, na casa sem janela.

27.5.12

"a viagem"

que se fechem sobre mim os funis da comoção
para que eu realize o salto espontâneo segundo
que é também queda num domingo à tarde
e nitidamente a atual fonte dos sentimentos
inibe o segundo passo, moraliza o subterfúgio.
ainda assim quero que se fechem com força
as costas da paixão porque estão descobertas,
e por trás do musgo e do espanto calmo se pode
ver as asas quebradas do que alucinado espera.

22.5.12

"acontecimento no Recife"

piscina frente ao mar, sol das dez horas da manhã.
sou o próprio F. Scott Fitzgerald de Nassau.
a ocasião exige que eu ponha meus óculos,
acenda um cigarro, contemple...
faço tudo isso, sinto falta de um roupão de seda
e qualquer mulher loira e magra e fútil.
e quando não contemplo, no mínimo observo.
termino o cigarro, essas coisas não duram.
não posso lançar a guimba na passagem; frustro.
mas isso arruinaria minha persona, sepultaria a mágica.
olho ao redor e vejo o que parece uma lata de lixo.
aperto a guimba contra o muro e me dirijo
o que parece uma lata de lixo, mas onde deveria
estar escrito simplesmente “lixo” ou “dejetos”,
estava escrito a enigmática palavra “rejeitos”.
fiquei meia hora, não sei quanto tempo fiquei
parado, em pé ao sol, adeus Scott, adeus Nassau,
diante da lata, sem saber por onde começar.

16.5.12

"cair de amor"


é preciso cair de amor,
é preciso, é mais que tempo,
que seja uma terrível queda,
uma intolerável queda de amor.
quando me olho no espelho,
quando fecho ou tiro o cinto,
quando compro bússolas,
quando observo as vitrinas,
quando faço mal a barba
ou não faço a barba por semanas,
quando vejo um gato na chuva
ou me envergonho se Karen Dalton
enruga meu ventre com micro tons,
quando eu me virar assustado,
eu sei, é preciso, não há mais
tempo para fugas, não tenho mais
muito da minha reserva pessoal
de amor e quando pisco nas ruas
ou visto minha nobre jaqueta emprestada
e me atribuo tapinhas de incentivo,
quando fumo como um detetive suíço
ou faço as vezes de comediante asmático,
não pode ser, inevitável, existe prazo
limite para tudo e agora, sim, agora,
é mais que preciso cair de amor.
então não venha me falar quando
tivermos percorrido quilômetros
e na hora não soubermos dizer.
cair de amor, não existe a hora,
amor é o que faz cair e caído
permanece aos pés do que aos pés
é preciso cair, nas ruas, em postes
nas filas dos desempregados,
nas blitz policiais e nos Bálcãs,
mesmo em cemitérios é possível,
nas fases de luto ou sem sorte,
bater e cair, quando, suando,
estiverem ainda desempenhados
os pedaços da vertigem solene.

15.5.12

"síntese americana"

cravar com distâncias o capricho dos ossos,
estourar a beleza em seus miolos de porto,
ser Melville, meu bem, ser Melville morto,
sugar todo amor com a bagagem nas costas
e olhos vidrados ao descobrir que há amor.

mas não levar amor no bolso, o que se ama,
não se vai até isso; já se está, mesmo assim
ir, já que somos amantes pálidos de estreitas
lembranças e sensação de navio naufragado.

do porão das emoções marinhas talvez venha
essa pretensa avalanche com malas à beirada;
estamos de partida: há medo que a lava cesse.

compreender enfim que a verdadeira bondade
não está na bondade estática nem na maldade,
mas no caminho entre os dois limites ou mais;
coisas só existem no caminho entre (até) elas,
fora isso resta a bagagem, a miragem, a baleia.

5.5.12

“cansaço da verve”

existe a verve difícil
uns chamam pássaros
outros estrada distante
estamos sempre loucos
atrás de entender algo
dessa queda de quina
na situação da cadência
e somos rupturas longas
algo que antecede algo
o que dizemos é nada
o que fazemos projetos
mas acima de tudo firme
a verve difícil impede
a queda do padroeiro
socos frouxos na parede
somos acima disso o veto
a coisa nunca absorvida
do que poderia ser pele
rastro da fome distinta
que consome o que não
temos para dar e damos
e não há quem recebe.