25.4.12

“diário 2: admirável”

Antes de tudo, o sonho de logo cedo, acho que o último de uma série de sonhos simbólicos, de difícil análise, ao menos em nossa língua pronunciável. Vamos ao sonho.

Sim, eu precisava entregar um presente a um querido amigo, havia uma sensação de antiguidade e longa pausa entre duas vidas, e este amigo calhava de ser Freddie Mercury. O presente, uma espécie de calendário ilustrado em tons de amarelo. Eu estava chateado no sonho, me lembro, mas de modo algum aquilo se tornaria um pesadelo, eu sabia, talvez porque fosse boa a sensação de profunda amizade, que nenhuma distância é capaz de abalar, ou mesmo o fato de que eu admirava muito esse meu amigo e, por estar ali não sei onde, com um presente na mão para entregá-lo, eu tinha nesse calendário ilustrado em tons de amarelo uma prova concreta do meu amor. Mesmo assim eu estava chateado, e isso talvez foi o detalhe que me fez recordar o sonho. Estava chateado porque sabia que, como contraponto à minha prova irrefutável de amor, havia outra certeza absoluta, a de que eu não conseguiria entregar a Freddie o presente, o calendário ilustrado em tons de amarelo. E o calendário estava plastificado. Não havia dedicatória.

Leitura complementar:

Com efeito, a admiração é uma espécie de identificação que parece comportar uma hybris, pois se o que geralmente se admira deve, de alguma forma, estar acima do sujeito que admira, como um modelo ou uma imagem a ser alcançada, por outro lado, deve estar ao lado para que possa ser admirado. Admirar alguém ou algo é, ao mesmo tempo, olhar para si e para o outro, olhar sua própria imagem sempre em relação a uma outra imagem ou modelo a ser copiado. Sob esse aspecto, trata-se de uma perspectiva mimética cujo modelo admirado é, por excelência, uma imagem paterna. Mas, por outro lado, admiramos sempre aquilo que já nos é, de algum modo, semelhante ou potencialmente semelhante. Dir-se-ia que entre Melville e Hawthorne, como entre Ahab e Moby Dick,

“uma zona de indistição, de indiscernibilidade, de ambiguidade se estabelece entre dois termos, como se eles tivessem atingido o ponto que precede imediatamente sua diferenciação respectiva: não uma similitude, mas um deslizamento, uma vizinhança extrema, uma contiguidade absoluta: não uma filiação natural, mas uma aliança contra natura”. (Gilles Deleuze. “Bartleby, ou la formule”, in Critique et Clinique, p. 100)

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