vejam bem: consta que o poeta Ferreira Gullar foi visto
saindo da livraria nobre, que fica dentro das entranhas
do shopping classe média alta, carcomido, disseram,
às vésperas dos 80 anos, mas ainda elegante, a postura
típica dos guerreiros homéricos, mas só o que importa
é que ele saiu da livraria, desceu pelas escadas rolantes,
repetitivas, tentou talvez observar de soslaio a calcinha
de alguma bela moça desavisada de que havia um poeta
no recinto, um dos grandes, segundo consta, e no andar
de baixo ele, o que escreveu o famosíssimo poema sujo,
deu uma volta inteira, provavelmente pensando no filho
internado no manicômio (estaria ele bem?) e nas dívidas
a serem pagas com prêmios literários frios e aguardados
e, talvez transtornado, sabe-se apenas que o poeta entrou
um tanto confuso, no salão Oficina do Cabelo, e parece
que uma daquelas senhoras muito ricas, mas instruídas,
falou baixinho na orelha da amiga: “aquele não é o poeta
Carlos Drummond de Andrade?”. mas estas são apenas
informações supérfluas, importa mesmo é que ele entrou
no salão Oficina do Cabelo, pediu licença como autêntico
maranhense, então disse, sob a vasta e ainda bela cabeleira:
“por obséquio, senhoritas, queria saber onde fica a livraria”.