27.6.09

"o milênio cochila"

vamos lá, vamos tentar outra vez.
outra coisa não resta a fazer
enquanto os dedos ainda estalam,
as lascas das unhas decolam,
se acumulam pelo meio da sala.

não há como se levantar agora,
é preciso parir o feto sem cabeça.
há o som dos carros, o som rude
do qual já não se ocupam mais
os passarinhos: estão de recesso.
o mundo desliza fantasticamente
rumo à completa inanição e, afinal,
o coração de Michael Jackson parou.

mas vamos lá, querido, não se afaste.
não olhe o teclado, tire o pó da alma,
faça falar algo que não seja um crime.
vamos lá, o sol se foi, mas vamos lá,
foram-se as eras do ouro mais difícil,
vamos lá, transitamos sobre a seiva
ainda em formação, feita dos restos
da matéria esquartejada de deus.

deixe a leveza do abandono tomar
as artérias, as paredes que se movem
e rompem a visão – beije as paredes
e abrace a visão que será interrompida
com versos de conexões fraudulentas.
lá fora tudo cessa, deixamos marcas
nas paredes, é preciso limpar a sujeira,
o amargo das lágrimas, que alimentam
os pássaros mudos, asas em recesso.

a beleza da antiga sinfonia se esfarela,
o dia pela metade: é preciso realizar já.

espere pela forca, avião desmaterializado,
a matéria da corda, dos assaltos a banco,
salte por cima da rampa, o milênio cochila,
as flores do ópio amargam no fundo poético
de um estômago faminto, os olhos do câncer,
as multidões tomam as ruas com seus narizes
escorrendo e caem nos mais diversos buracos.

existe uma beleza sem fim no instante
da queda brusca: repare nisso, e caia.

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