Quero dizer e repetir e repetir e dizer mais uma vez. Que importam as convenções do tempo, a boca funda da esperança tardia? Quero partir os ossos antes que seja tarde, resgatar o brilho no fundo do que um dia se fez criança e hoje não lembra e se vira do avesso e morre, sente a pele descolar, os olhos repuxados pela goela do absurdo. Mas sinto qualquer coisa por dentro envergonhada do estertor, a caixa que pensa se compele, então uma sensação de algo súbito subindo pela garganta e que não pode sair porque são milênios de mentiras e precisamos das letras. Mas quero dizer e dizer e repetir. Repetir que não quero ter que dizer coisa nenhuma e repito. É necessário mais que uma forma, mais que um conteúdo, benzina, um precipício, é necessário acima de tudo o ímpeto desesperado de repetir e dizer mais uma vez e dizer de novo e mais alto, não gritar, lançar os olhos para fora das órbitas, espremer o mundo sobre a retina, repetir a tauromaquia da visão turva em vermelho, com o espeto no dorso, ainda assim derrubar os muros da arena, expulsar os vendilhões, ludibriar os sicofantas e, às crianças, sorvetes de marfim. Ah como eu queria poder dizer e repetir tantas e tantas vezes sem usar a substância do ar, não para me fazer entender apenas, mas para me entranhar da idéia de me entregar ao impulso sem ordem que move as coisas no espaço. Ah tão bom seria gritar cheio de veias “Daqui pra fora, políticos, literatos, comerciantes pacatos, polícia, meretrizes, souteneurs, tudo isso é a letra que mata, não o espírito que dá a vida. O espírito que dá a vida neste momento sou EU!” Mas não me assusto se acordar sentindo um aperto no peito sem que se encontre uma boa explicação para isso. Às vezes ocorrem uns reacertos nos subterrâneos da nossa mente que não alcançamos, então é preciso soltar a linha, quebrar as portas à chave, é preciso esbravejar e fazer tudo com fome, nunca se esbaldar, do contrário, deixar a fome roer para então dar o bote, chegar à ponta do animal para resgatar o sentido do que fazemos ainda e não sabemos mais. Gritar mais alto e ser tudo que gera e alimenta e apodrece, ser ao mesmo tempo o padre e a catedral em chamas. Repetir e, quando o derrubarem, repetir outra vez. Negar-se qualquer causa em prol do sacrifício contínuo. Eis tudo o que deve ser feito diante da roda enorme. Errar ou não errar é apenas um detalhe. No jogo de corpos humanos vale bem mais o pulo.
12.11.08
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