10.11.08

"A boa vida segundo Hemingway"


Scott Fitzgerald veio me visitar. Ele estava hospedado no Ritz, como de costume. Sua filha pequena, Scotty, estava com ele. Enquanto conversávamos, ela disse que queria fazer xixi, mas, quando eu disse a Scott que o banheiro ficava no andar de baixo, ele disse à filha que o banheiro era muito longe e que ela fizesse ali mesmo, no corredor. O concierge observou o filete descendo escada abaixo e subiu para saber o que se passava. "Senhor", ele disse a Scott muito polidamente, "não seria mais confortável para a senhorita usar o banheiro?" Scott respondeu: "Volte para seu quarto miserável, concierge, ou então vou colocar sua cabeça na provada". Ele estava furioso. Voltou para meu quarto e rasgou o papel de parede, que era velho e começava a descascar. Implorei a ele que não fizesse aquilo, pois, como sempre, o pagamento de meu aluguel estava atrasado, mas ele estava nervoso demais para poder ouvir. O proprietário me fez pagar pela recolocação do papel no quarto todo. Mas Scott era meu amigo e, em nome da amizade, tolera-se muitas coisas.


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Quando eu era jovem, nunca quis me casar, mas no momento em que desejei isso, nunca mais consegui ficar sem uma esposa. O mesmo se aplica a ter filhos. Nunca quis nenhum, mas depois que tive o primeiro, nunca mais quis ficar sem eles. No entanto, para ser um pai bem-sucedido, há uma regra absoluta: quando você tiver um filho, não olhe para ele durante os primeiros dois anos.


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Conheci James Joyce em 1921 e convivi com ele até sua morte. Em Paris, ele estava sempre rodeado de amigos profissionais e sicofantas. Costumávamos ter debates que chegavam a ficar bastante acalorados e, mais cedo ou mais tarde, Joyce incluía na discussão algum insulto realmente ríspido; era um homem bom, porém desagradável, especialmente se alguém começasse a falar sobre o ato de escrever. Desagradável como o diabo, e, quando ele já tinha provocado um verdadeiro tumulto, repentinamente ia embora, esperando que eu lidasse com os sujeitos que vinham atrás, pedindo uma satisfação. Joyce era muito oruglhoso e muito rude - especialmente com imbecis. Ele realmente gostava de beber, e, naquelas noites em que eu o trazia de volta para casa após várias e prolongadas rodadas de bebidas, sua mulher, Nora, abria a porta e dizia: "Aí está, James Joyce, o autor, novamente bêbado com Ernest Hemingway". Ele tinha um medo mortal de relâmpagos.

Um comentário:

natércia pontes disse...

maravilhoso: adoro as fofoquinhas do mainstream literário velha-guarda.

beijo pra tu,