nos dias frios
não ouço nada.
a noite passa,
estou sozinho
na madrugada.
e crio vozes
e limpo foices
pro meu alívio
de ouvir nada
além da noite.
e minhas vozes
inventam outras
e criam ouvidos
que ouvem nada
e todos juntos
se tornam frases
que não se amam
mas não se matam.
29.3.08
26.3.08
"vincent"
o que não se funde não fere
a massa de tinta nos sonhos,
a ponte levadiça dos prismas.
tua arte foi teu pavor químico
de alcançar o ponto mais cego
no cerne da dor e da aceitação.
demônios decalcados no grito da noite,
tua loucura foi por excesso de bondade.
o mundo teve medo da tua alma amarela,
dos comedores de batata na escuridão,
das lâminas e das lágrimas de absinto,
do teu amor derretido na pele da luz.
tua idéia de arte funciona apenas nos
cérebros ébrios, do contrário mortos.
quando um sóbrio fala em ti ele viola
a saliva sobre tuas telas regurgitadas.
a vida é apenas uma palheta de cores,
a justiça dos homens, pincel quebrado.
“a tristeza durará para sempre”, tu
disseste a Theo com corvos nos olhos.
demônios decalcados no risco de sangue,
teu corpo insepulto é a lira dos mortos.
a massa de tinta nos sonhos,
a ponte levadiça dos prismas.
tua arte foi teu pavor químico
de alcançar o ponto mais cego
no cerne da dor e da aceitação.
demônios decalcados no grito da noite,
tua loucura foi por excesso de bondade.
o mundo teve medo da tua alma amarela,
dos comedores de batata na escuridão,
das lâminas e das lágrimas de absinto,
do teu amor derretido na pele da luz.
tua idéia de arte funciona apenas nos
cérebros ébrios, do contrário mortos.
quando um sóbrio fala em ti ele viola
a saliva sobre tuas telas regurgitadas.
a vida é apenas uma palheta de cores,
a justiça dos homens, pincel quebrado.
“a tristeza durará para sempre”, tu
disseste a Theo com corvos nos olhos.
demônios decalcados no risco de sangue,
teu corpo insepulto é a lira dos mortos.
19.3.08
"aquilo"
agora, depois de um tempo sem escrever nada, sinto falta do que antes não era, uma cama quem sabe desfeita, um carinho perdido numa estrofe simples, talvez pelo frio que percorre a espinha por dentro dos mais nobres clichês, aquele medo elástico, o amor como parábola que sai pela saída de emergência, é como se agora, depois de um tempo sem escrever nada, as andorinhas começassem a, finalmente, cair degoladas manchando meu lençol branco, um dia claro, como tais solos de guitarra quando Lou Reed está particularmente inspirado e entorpecido, e não é propriamente o amor, não a carne reflexiva de tantos espaços sem preenchimento, não são as tentativas no escuro, os chutes na parede pelo amor não concebido, as saudades que só falam para dentro, aquela pessoa cuja alma é teu escudo e tua lança, coisas assim, sem muito sentido mas fortes, talvez apenas uma lua cor-de-rosa, o sol nascente dos novos amantes, Nick Drake e um pouco de fé na vida, um cheiro de chá de avó por trás da porta, por debaixo dos lençóis ou mesmo dentro de um foguete, apontar para cima de olhos fechados enquanto se atrasam as trombetas do cataclismo, pensando agora em quem se deve e jamais voltará, "um amor corrompido" eles dirão, "uma doença social", mas agora, depois de um tempo sem escrever nada, isso é muito bom de sentir, e ao mesmo tempo sei que sou eu morrendo um pouco mais daquilo, daquele oco estático, que mantém tudo constante.
"no consultório"
não me peça, terapeuta,
que eu me faça em vidro,
que eu me comprometa.
estavam todos ali, posando.
todos com nome, biografia,
uma história, um engano.
todos com poemas publicados
em russo, aramaico, mandarim.
todos feito bustos fálicos de marfim,
apresentando um trabalho estilístico,
sendo senhores joviais e sorridentes,
ou soturnos em polaroides acidentais.
lembro-me de como ontem, poetas,
percebi que não poderia ser como vocês.
percebi enfim que minha dor não era
tão bonita, tão sonora quanto a de vocês.
percebi também que, além da poesia,
não conheço o sorrir, não tenho biografia.
engano de leigo pensar que justamente
no susto sem-biografia está a semente,
o sorriso secreto da poesia sem hora,
a poesia que sangra, que já não dorme.
que eu me faça em vidro,
que eu me comprometa.
estavam todos ali, posando.
todos com nome, biografia,
uma história, um engano.
todos com poemas publicados
em russo, aramaico, mandarim.
todos feito bustos fálicos de marfim,
apresentando um trabalho estilístico,
sendo senhores joviais e sorridentes,
ou soturnos em polaroides acidentais.
lembro-me de como ontem, poetas,
percebi que não poderia ser como vocês.
percebi enfim que minha dor não era
tão bonita, tão sonora quanto a de vocês.
percebi também que, além da poesia,
não conheço o sorrir, não tenho biografia.
engano de leigo pensar que justamente
no susto sem-biografia está a semente,
o sorriso secreto da poesia sem hora,
a poesia que sangra, que já não dorme.
"Mestre Dylan Thomas" (1914 - 1953)
In My Craft or Sullen Art
In my craft or sullen art
Exercised in the still night
When only the moon rages
And the lovers lie abed
With all their griefs in their arms,
I labor by singing light
Not for ambition or bread
Or the strut and trade of charms
On the ivory stages
But for the common wages
Of their most secret heart.
Not for the proud man apart
From the raging moon I write
On these spindrift pages
Nor for the towering dead
With their nightingales and psalms
But for the lovers, their arms
Round the griefs of the ages,
Who pay no praise or wages
Nor heed my craft or art.
***
***
Em meu ofício ou arte sombria
Em meu ofício ou arte sombria
Exercitada na noite tranquila
Quando só a lua se enfurece
E os amantes deitam acamados
Com toda tristeza em seus braços,
Eu trabalho sob a luz cantante
Não por ambição ou por comida
Ou pompa e tráfico de feitiços
Sobre os palcos de marfim
Mas para os simples assalariados
Do seu mais secreto coração.
Não para o orgulhoso que diz não
À lua enfurecida de onde escrevo
Sobre estas páginas enevoadas
Nem para as pilhas de cadáveres
Com seus salmos e seus rouxinóis
Mas para os amantes, seus braços
Que abraçam as dores dos séculos,
Que não me pagam ou me veneram
Nem conhecem meu ofício ou arte.
15.3.08
“arroubo romântico na porta da universidade particular”
eu havia me esquecido
das jovens universitárias,
das amantes desnutridas,
estátuas públicas exangues,
tão puras, amélias trágicas,
taciturnas, vestidas de chita,
anêmicas, lindas e tristes,
- como toda a classe média -
almas púrpuras, cílios postiços,
talvez por dentro despedaçadas,
seus amores à tarde, seu tédio,
disfarçados por trás dos óculos
escuros, violetas sem cheiro,
umas com andares de garça,
outras brutas, de olhar firme,
a busca eterna dos pássaros,
cabeça alada atrás de milho,
ó musas sorumbáticas, evitai
meus olhos, que vos maltratam.
das jovens universitárias,
das amantes desnutridas,
estátuas públicas exangues,
tão puras, amélias trágicas,
taciturnas, vestidas de chita,
anêmicas, lindas e tristes,
- como toda a classe média -
almas púrpuras, cílios postiços,
talvez por dentro despedaçadas,
seus amores à tarde, seu tédio,
disfarçados por trás dos óculos
escuros, violetas sem cheiro,
umas com andares de garça,
outras brutas, de olhar firme,
a busca eterna dos pássaros,
cabeça alada atrás de milho,
ó musas sorumbáticas, evitai
meus olhos, que vos maltratam.
"poema de Sergio Lohmann Couri"
Poesia é celebração do momento
nas encruzilhadas
das tantas estradas.
Memória esperança utopia
das evitadas e optadas vias.
Quando juntos, você e eu, somos poesia,
balanço de enseada rara
que cedo se esvazia.
Absurdo de trovoada escassa,
arquitetada, sinalizada fantasia
do Cruzeiro do Sul.
nas encruzilhadas
das tantas estradas.
Memória esperança utopia
das evitadas e optadas vias.
Quando juntos, você e eu, somos poesia,
balanço de enseada rara
que cedo se esvazia.
Absurdo de trovoada escassa,
arquitetada, sinalizada fantasia
do Cruzeiro do Sul.
11.3.08
"um pouco de cummings para adoçar a vida"
since feeling is first
who pays any attention
to the syntax of things
will never wholly kiss you;
who pays any attention
to the syntax of things
will never wholly kiss you;
wholly to be a fool
while Spring is in the world
my blood approves,
and kisses are a better fate
than wisdom
lady i swear by all flowers. Don't cry
-the best gesture of my brain is less than
your eyelids' flutter which says
while Spring is in the world
my blood approves,
and kisses are a better fate
than wisdom
lady i swear by all flowers. Don't cry
-the best gesture of my brain is less than
your eyelids' flutter which says
we are for each other: then
laugh, leaning back in my arms
for life's not a paragraph
laugh, leaning back in my arms
for life's not a paragraph
And death i think is no parenthesis.
Tradução livre minha mesmo:
se sentir vem primeiro
quem dá qualquer atenção
à sintaxe das coisas
nunca a beijará por inteiro;
quem dá qualquer atenção
à sintaxe das coisas
nunca a beijará por inteiro;
por inteiro ser um idiota
enquanto a Primavera está no mundo
meu sangue aprova,
e beijos são um melhor destino
que sabedoria
dona eu juro por todas as flores. Não chore
-o melhor gesto do meu cérebro é menos que
o tremor das suas pálpebras que diz
enquanto a Primavera está no mundo
meu sangue aprova,
e beijos são um melhor destino
que sabedoria
dona eu juro por todas as flores. Não chore
-o melhor gesto do meu cérebro é menos que
o tremor das suas pálpebras que diz
somos um pelo outro: então
sorria, se incline em meus braços
que a vida não é um parágrafo
sorria, se incline em meus braços
que a vida não é um parágrafo
E a morte eu acho não é um parêntesis.
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