ao observar discretamente os semelhantes (?) ao meu redor imagino quanto os olhos podem mentir sobre nós. olhando os outros que tentam me imitar através de espelhos, me cercam e me apedrejam com sutis tapinhas nas costas, descubro que estou de fato cercado apenas por mim mesmo. os outros representariam – sob a forma de raiva ou paixão ou perplexidade, ou uma mistura equilibrada de muitas sensações de alma, por assim dizer, almas às quais meu corpo pertence e sobre as quais ele não tem nenhum poder – falhas dignificantes que não reconheço nas minhas atitudes, preocupado demais com paralelepípedos poéticos e abismos metafóricos.
ando seco nas canelas, como lagartixa de plástico, me escorando nas quinas das janelas, escorregando pelas paredes geladas de um chalé nas montanhas, fornicando com águas quentes e cores de olhos no fogo da lareira: a violenta cabeleira de uma loira corretora de imóveis que abonou minha dívida com o mundo através da sua saboneteira exposta. nada além de um eterno sentido figurado no mofo do lençol serrano, já que nossos olhos são reféns do que nós imaginamos e, assim sendo, todos sempre vemos as coisas conforme nos sentimos com relação à grandiosa indagação: quem é o anjo, quem é o homem?
(sonho com uma mariposa se debatendo no chão da laje de um dia ensolarado em Gramado, quando minha avó, atacada da angina, chega pelas beiradas da noite fria, a casca da castanha do inverno porto alegrense, como há trinta anos não se via. seu um metro e cinqüenta é aspirado pela cama forrada com um cobertor térmico, quando ela olha para mim com seus inconsoláveis olhos cor de violeta violada, e diz mansinha: “agora já passa... eu comi mel... já tava dormindo... acordei pra tossir”).
a vida parece agora tão morfológica, cheia de gerúndios e anacolutos, justo agora que preciso controlar meus espirros, agora que sou o amigo novo, o mais baixo da turma, agora que estou na reta de um cardume fanático por olhos e, mesmo assim, mesmo desse jeito impossível de reconhecer meus próprios movimentos, em meio a pessoas saudáveis que, diferentemente de mim, comem folhas e raízes e sorriem de boca cheia, mesmo assim penso na angina da minha velha companheira, que respira profundamente por dentro da máquina que é sua ampulheta. e ela sabe disso e sente a dor se aproximar e se levanta. e vai morrer como todo mundo, mas agora ela sabe disso mais do que nunca e esse é um momento que perpassa toda uma vida, portanto não pode ser negligenciado.
isso tudo acontece dentro de um duto mental sem luz, enquanto engulo vinho tal qual um Li Po traído pela sua lua de jade, perseguido por correligionários fanáticos, escrevendo bobagens que são minha própria carne doce e obscena, enquanto a menina dos olhos de centelha – claros e invioláveis como o mistério que há em todos nós – não pisca para mim, e a cueca-virada ainda não foi assada na padaria, enquanto isso...
...essas pessoas medidas a régua perduram como peças empalhadas num sótão em chamas. pessoas impecáveis, ríspidas como fazendeiros escravocratas, descoladas por notas limpas de dinheiro inútil, com sorrisos grampeados como na festa do patrão corrupto, confraria de altos funcionários calvos, homens virtuais, milionários condenados a morrer de câncer na próstata: quando sou corroído pela inveja e, logo depois, pela cerveja que sobra.
ando seco nas canelas, como lagartixa de plástico, me escorando nas quinas das janelas, escorregando pelas paredes geladas de um chalé nas montanhas, fornicando com águas quentes e cores de olhos no fogo da lareira: a violenta cabeleira de uma loira corretora de imóveis que abonou minha dívida com o mundo através da sua saboneteira exposta. nada além de um eterno sentido figurado no mofo do lençol serrano, já que nossos olhos são reféns do que nós imaginamos e, assim sendo, todos sempre vemos as coisas conforme nos sentimos com relação à grandiosa indagação: quem é o anjo, quem é o homem?
(sonho com uma mariposa se debatendo no chão da laje de um dia ensolarado em Gramado, quando minha avó, atacada da angina, chega pelas beiradas da noite fria, a casca da castanha do inverno porto alegrense, como há trinta anos não se via. seu um metro e cinqüenta é aspirado pela cama forrada com um cobertor térmico, quando ela olha para mim com seus inconsoláveis olhos cor de violeta violada, e diz mansinha: “agora já passa... eu comi mel... já tava dormindo... acordei pra tossir”).
a vida parece agora tão morfológica, cheia de gerúndios e anacolutos, justo agora que preciso controlar meus espirros, agora que sou o amigo novo, o mais baixo da turma, agora que estou na reta de um cardume fanático por olhos e, mesmo assim, mesmo desse jeito impossível de reconhecer meus próprios movimentos, em meio a pessoas saudáveis que, diferentemente de mim, comem folhas e raízes e sorriem de boca cheia, mesmo assim penso na angina da minha velha companheira, que respira profundamente por dentro da máquina que é sua ampulheta. e ela sabe disso e sente a dor se aproximar e se levanta. e vai morrer como todo mundo, mas agora ela sabe disso mais do que nunca e esse é um momento que perpassa toda uma vida, portanto não pode ser negligenciado.
isso tudo acontece dentro de um duto mental sem luz, enquanto engulo vinho tal qual um Li Po traído pela sua lua de jade, perseguido por correligionários fanáticos, escrevendo bobagens que são minha própria carne doce e obscena, enquanto a menina dos olhos de centelha – claros e invioláveis como o mistério que há em todos nós – não pisca para mim, e a cueca-virada ainda não foi assada na padaria, enquanto isso...
...essas pessoas medidas a régua perduram como peças empalhadas num sótão em chamas. pessoas impecáveis, ríspidas como fazendeiros escravocratas, descoladas por notas limpas de dinheiro inútil, com sorrisos grampeados como na festa do patrão corrupto, confraria de altos funcionários calvos, homens virtuais, milionários condenados a morrer de câncer na próstata: quando sou corroído pela inveja e, logo depois, pela cerveja que sobra.
quando isso acontece procuro atenuar minha raiva com a torre azul que quintana pavimentou com nuvens para os pássaros loucos que quebraram os bicos e amputaram as asas. com agulhas enfiadas nos meus orifícios nasais, perco as penas podres e me sacudo no frio infernal, entre pássaros com mais fome do que seus bicos podem transformar em seiva. e enquanto a noite das paredes barulhentas se deita, depois de alguns ruídos metálicos de fricção o mundo entra em colapso, um colapso noturno que se dissolve nas chamas do olho de um ciclope sobre o nariz da montanha: o peso da minha unidade estuprada infiltrando meus ventrículos. e eu, sujeitinho aflito, insisto em enterrar cometas suicidas, sorrindo a imitar periquitos: quando por fim grito! indício de mais um dia natimorto à procura de um novo princípio de eco por dentro de lençóis fantasmas...
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