21.8.06

"olhos da cidade"

vozes velozes avassalam
vultos de veludo
num vasto vendaval,
caminho crivado
com cruzes emprestadas.

somo ponteiros,
visto o casaco,
sigo a coceira
nos calcanhares.

que importa
que sue a têmpora –
cama escura,
gente de ferrugem –
se as cabeças
são celofane,
se olhos são frases?

cruzo a cidade que arde em chamas de gelo,
sorriso maligno num mapa em agulhão.
a cada esquina eu mais me desconheço,
sombra que recolhe olhos de luto pelo chão.

sigo olhos durante
o exílio dos motores.
olhos doces,
não sabem o que deformam.
olhos frios,
não conhecem o que escondem.
olhos suicidas,
piscam cordas entre um poste e outro.
olhos que, como os meus,
se perderam na noite.

elementos indigestos
em labirintos de veias,
gelatina de espelho
para a sina vermelha
da lua dos loucos.

em que planetas terrestres tuas bolas de cisto
– deuses protegidos pelos cílios da noite –
dissecaram meus passos na direção do abismo,
gargalharam de escárnio dos becos
onde vomitam os bêbados,
onde matam as gangues,
e sonham as prostitutas,
e dormem os mendigos,
e acredita o poeta morto?
olhos por tudo que não é visto
na órbita espiralada do aborto!

cidade vazia de mim!
arraste essa carcaça faminta
para tuas pupilas sórdidas
através de ruas sem pernas
(ânsia mecânica desesperada)
ora nos olhos de uma menina
que sangra a calcinha de amor,
ora nos olhos de um ilusionista
que teve seus olhos amputados,
ou então nos olhos sem lágrimas
de quem escreveu uma carta
e por não ter a quem enviar: rasgou.

a noite nos guia com olhos facínoras
e nós: cegos observadores excluídos,
por estarmos sozinhos e com medo,
temos menos olhos do que se precisa
e bem mais olhos do que merecemos.

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