O calor terrível e um bloco carnavalesco com microfonia, em frente ao edifício branco e azul feito de ladrilhos, me enjoaram a ponto de me levar à cama cedo. No quarto as cobertas e até mesmo o lençol pareciam se grudar ao meu corpo como plástico queimado. Eu suava e fedia e tinha acabado de tomar um banho gelado. Tomei outro, saí da toalha escorrendo. Resmungando, arrastei um colchão velho, maltratado por percevejos e outras pragas, para o chão da sala, e nele me deitei, desistindo em seguida do colchão velho para ficar deitado diretamente no chão da sala, o que ainda assim foi inútil. Me restava então ler um pouco para, no mínimo, me imaginar como um sujeito inteligente e dedicado que, romanticamente, sofre de insônia por pensar demais.
Abri o diário do Jean Genet, com o qual vinha lutando covardemente na última semana, me esgueirando por dobras de páginas. Suas frases pareciam todas desconexas para mim – talvez por culpa da tradução de 1968 – e sua poesia homossexual me era inalcançável, talvez porque fosse violenta e escatológica demais e eu imaginasse a poesia homossexual como algo delicado e urgente, como em Whitman e Ginsberg, por exemplo. Mas é inegável que algumas frases de Genet, como “Só os que não vivem podem escrever” ou “Se o herói combate a noite e a vence, que nele permaneçam farrapos”, me deixaram pensando que talvez ele fosse grande demais para mim. De qualquer modo, assumi que talvez não fosse minha hora ainda e tentei prestar atenção no meu dedão do pé. Até que ele perdeu o foco.
Não sei se o trovão vinha da minha cabeça ou da janela, mas acordei suado e espumante de um pesadelo medonho. Toda vez que tinha um pesadelo, acordava espantado com a força de algumas imagens, mas imediatamente tudo se apagava da minha cabeça. Ontem acordei como se já estivesse morto e lembrasse de tudo.
Começava numa festa, numa casa estranha. E eu estava escutando o barulho da festa – podia ver pessoas circulando na sala – mas estava trancado dentro de um quarto com uma mulher que me amava, disso eu tenho certeza. E só.
Na minha visão da sala, apesar de deitado e enroscado nas pernas de Lucila – chamemos o amor de Lucila – numa cama desfeita e muito confortável, eu via muitas mulheres circulando, mulheres lindas, rindo e bebendo rapidamente. Até que um sujeito muito gordo, forte e alto, negro como piche, aparentando certo grau de retardo mental, entrou acompanhado de um baixinho com feições de mexicano sem cabelo na cabeça, que fazia barulhos desagradáveis com um palito de dente no canto da boca. Apesar de terem arrombado violentamente a porta, foram muito gentis, até que o maior se enfureceu porque a mulher a quem dei o nome de Lucila – e me amava como já disse – tentou impedir que ele a estuprasse. E para espanto de mim mesmo, digo, daquele “eu mesmo” que podia ver tudo de cima, o outro que também era eu, mas estava na cama, não fez nada além de sorrir e pedir delicadamente que os dois compreendessem a situação da moça e que, por favor, se retirassem sem causar tumulto. Ambos me obedeceram imediatamente, como se estivessem hipnotizados, e me cumprimentaram fervorosamente com abraços que me deixaram azul.
Acompanhei os dois senhores até a porta, completamente nu, enquanto Lucila se recuperava dos hematomas no banheiro. Ainda acenei para algumas mulheres, que respondiam com seus copos erguidos e, já perto do elevador, o negro novamente se revoltou. Arrancou o extintor de incêndio da parede e descarregou para cima e para os lados. Tentei controlá-lo da mesma maneira delicada, olhando nos seus olhos, e ele argumentou que só deixaria o prédio depois de depredá-lo. Seu parceiro mexicano achou uma boa idéia, então ficamos acertados assim. Eles quebraram tudo e, depois de gentilmente me cumprimentarem outra vez, foram embora e eu voltei à festa.
Não havia mais ninguém na casa, nem móveis, tudo em volta era branco e Lucila estava nua no meio da sala, sentada no chão. Nos beijamos e decidimos dar um passeio de carro.
Nus, descemos até a garagem, ligamos o carro, saímos e estacionamos no que parecia um pátio de colégio. Havia uma apresentação infantil de alguma tragédia de Shakespeare num pequeno palco pouco mais a frente e, quando dei por mim, estávamos Lucila e eu no palco, juntos com o coro, ela na ala dos sopranos e eu entre os dois protagonistas, com uma cesta de vime nas mãos. Imediatamente uma das crianças me deu um ramo de louro e com um cutucão ordenou que eu a pusesse atrás da orelha. Quase deixei cair a cesta, depois comecei a procurar Lucila pelo palco e descobri que ela tinha abandonado o coro. Estava agora dançando de braços abertos por entre as coxias.
Estranhamente eu sabia exatamente o meu papel na peça e o desempenhei com maestria. Os meninos que dialogavam tinham um forte sotaque britânico, mas falavam em português, porcamente. Parecia uma cena mal adaptada de Júlio César. Brutus oferecia vários tipos de frutas silvestres a César e dizia que se ele provasse todas as frutas não seria esfaqueado. Disfarçadamente perguntei ao figurante ao lado por que os dois não falavam em inglês. A peça parou e todos se viraram para mim sorrindo. Disseram em coro: “Porque essas pobres crianças não entendem Shakespeare”. Ouvi aplausos. Era o fim da peça. Seguimos todos abraçados até a beira do palco e reverenciamos o público, composto por absolutamente ninguém. Saí então à procura de Lucila pelas coxias e encontrei Cinna num canto do palco lhe entregando sua túnica e o seu pior poema. Apertei calorosamente a mão de Cinna e disse: “Não ligue para o que dizem sobre seus poemas”. E me arranquei com Lucila dali.
Lucila parecia embriagada e muito feliz. Eu agora estava dirigindo o carro. A rua cheia de buzinas e pedestres que escorriam pelos bueiros como lava. Os carros em volta todos lotados de misturas de homens e animais, como um sujeito com bico de tucano e outro com um topete e focinho de porco. Aquilo me assustou e eu parei o carro para vomitar. Lucila acendeu um enorme charuto de maconha e tomou a direção do carro. O trânsito começou a andar e Lucila parecia não saber o que estava fazendo. Uma luz vermelha intercalada com uma sirene atrás de nós. “A polícia, querida”, eu disse a Lucila, e ela fechou o carro da polícia.
Um policial se aproximou vagarosamente de nós e levantou seu quepe com uma garrucha, como se fosse uma bicha policial, mas com a cara do policial que Hitchcock usou em Psicose. Lucila abriu a janela e soltou uma longa baforada no rosto do policial, enquanto eu tentava ajeitar as coisas sujando minhas calças. O policial, no entanto, era muito educado e, depois de conversar sobre receitas de doces portugueses com Lucila, nos levou até a delegacia – e durante todo esse trajeto eu apenas pensava, mas não conseguia falar.
Na porta da delegacia minha voz voltou e eu não demorei em argumentar com o policial que o mundo inteiro usava maconha, que seus superiores eram provavelmente os principais responsáveis pelo bom funcionamento do tráfico e que, enfim, não havia motivo para nos levar em cana. Ele me olhou sorrindo e deslizou levemente o dedão pela minha testa. “Vejam só”, ele disse, “esse é do tipo brigão”.
“Sou... p... pacífico”, respondi com a voz entrecortada.
“A testa proeminente. Os traços neandertais. Os neandertais já são adultos com 15 anos”.
Tomei a frase do policial como respeitosa e aceitei visitar a delegacia sem resistir. A delegacia era como a sala de espera de um hospital. Várias pessoas feridas e vendadas riam lá dentro. O desespero subiu pela minha nuca. Procurei Lucila, mas Lucila havia se transformado noutra mulher que eu conheço, mas não reconheço agora que lembro do pesadelo. Mesmo assim essa mulher me acompanhou até que policiais de jaleco, uns cinco deles, me cercaram e um me disse que eu precisava fazer uma bateria de exames. Os outros riram.
Uma porta se abriu no mesmo momento em que a mulher na qual Lucila havia se transformado desapareceu. Um homem de farda militar com uma capa cirúrgica desatada surgiu de dentro de uma névoa grossa com uma enorme seringa na mão e o sorriso emprestado do demônio. Comecei a me debater, mas foi inútil. Me agarraram com toda força, mas sem nenhum esforço, e me arrastaram para dentro de uma antecâmara, de onde ainda podia ouvir risadas estrondosas vindas do lado de fora, misturadas com gritos de pavor e esguichos. Além do homem com a seringa, mais dois sujeitos de maneiras muito polidas me observavam com as pernas cruzadas. Um deles me prendeu a uma estrutura metálica. O outro se levantou e seguiu de costas para mim até uma prateleira. Eu sabia quem era este outro, mas não consigo reconhecê-lo agora.
Ficaram todos por um tempo me observando silenciosamente, enquanto eu gritava por ajuda, por deus, que não queria ser torturado, que não havia necessidade para tanto: outra vez os gritos em vão. O primeiro que tinha se levantado segurou minha cabeça por trás para que ficasse imóvel. O que eu sabia quem era, mas sou incapaz de reconhecer agora, se aproximou de mim vagarosamente com um frasco de soro fisiológico na mão. O homem com a seringa apenas me observava com as pernas cruzadas e um leque bordado com símbolos orientais, que abria e fechava ininterruptamente na frente do nariz. Sabendo que eu o reconhecia, mesmo sem saber dizer quem ele era, o sujeito que havia se aproximado começou a espremer soro para dentro do meu nariz e, quando supliquei que ele parasse, ele apenas disse (quando vi que não tinha olhos): “Você desperdiçou sua vida. Agora vai ser assim”. Então o homem da seringa começou a me espetar violentamente por todo o corpo e, quando ele finalmente ergueu a seringa ensangüentada para dar o golpe final no meu pescoço, eu acordei com um trovão, completamente encharcado pela chuva. As persianas se debatiam assustadas com a noite e Jean Genet conversava com o vento.
Fui correndo até a cozinha e me lancei sobre uma folha de papel que voava pelo chão onde, ainda atordoado e aos garranchos, anotei:
Abri o diário do Jean Genet, com o qual vinha lutando covardemente na última semana, me esgueirando por dobras de páginas. Suas frases pareciam todas desconexas para mim – talvez por culpa da tradução de 1968 – e sua poesia homossexual me era inalcançável, talvez porque fosse violenta e escatológica demais e eu imaginasse a poesia homossexual como algo delicado e urgente, como em Whitman e Ginsberg, por exemplo. Mas é inegável que algumas frases de Genet, como “Só os que não vivem podem escrever” ou “Se o herói combate a noite e a vence, que nele permaneçam farrapos”, me deixaram pensando que talvez ele fosse grande demais para mim. De qualquer modo, assumi que talvez não fosse minha hora ainda e tentei prestar atenção no meu dedão do pé. Até que ele perdeu o foco.
Não sei se o trovão vinha da minha cabeça ou da janela, mas acordei suado e espumante de um pesadelo medonho. Toda vez que tinha um pesadelo, acordava espantado com a força de algumas imagens, mas imediatamente tudo se apagava da minha cabeça. Ontem acordei como se já estivesse morto e lembrasse de tudo.
Começava numa festa, numa casa estranha. E eu estava escutando o barulho da festa – podia ver pessoas circulando na sala – mas estava trancado dentro de um quarto com uma mulher que me amava, disso eu tenho certeza. E só.
Na minha visão da sala, apesar de deitado e enroscado nas pernas de Lucila – chamemos o amor de Lucila – numa cama desfeita e muito confortável, eu via muitas mulheres circulando, mulheres lindas, rindo e bebendo rapidamente. Até que um sujeito muito gordo, forte e alto, negro como piche, aparentando certo grau de retardo mental, entrou acompanhado de um baixinho com feições de mexicano sem cabelo na cabeça, que fazia barulhos desagradáveis com um palito de dente no canto da boca. Apesar de terem arrombado violentamente a porta, foram muito gentis, até que o maior se enfureceu porque a mulher a quem dei o nome de Lucila – e me amava como já disse – tentou impedir que ele a estuprasse. E para espanto de mim mesmo, digo, daquele “eu mesmo” que podia ver tudo de cima, o outro que também era eu, mas estava na cama, não fez nada além de sorrir e pedir delicadamente que os dois compreendessem a situação da moça e que, por favor, se retirassem sem causar tumulto. Ambos me obedeceram imediatamente, como se estivessem hipnotizados, e me cumprimentaram fervorosamente com abraços que me deixaram azul.
Acompanhei os dois senhores até a porta, completamente nu, enquanto Lucila se recuperava dos hematomas no banheiro. Ainda acenei para algumas mulheres, que respondiam com seus copos erguidos e, já perto do elevador, o negro novamente se revoltou. Arrancou o extintor de incêndio da parede e descarregou para cima e para os lados. Tentei controlá-lo da mesma maneira delicada, olhando nos seus olhos, e ele argumentou que só deixaria o prédio depois de depredá-lo. Seu parceiro mexicano achou uma boa idéia, então ficamos acertados assim. Eles quebraram tudo e, depois de gentilmente me cumprimentarem outra vez, foram embora e eu voltei à festa.
Não havia mais ninguém na casa, nem móveis, tudo em volta era branco e Lucila estava nua no meio da sala, sentada no chão. Nos beijamos e decidimos dar um passeio de carro.
Nus, descemos até a garagem, ligamos o carro, saímos e estacionamos no que parecia um pátio de colégio. Havia uma apresentação infantil de alguma tragédia de Shakespeare num pequeno palco pouco mais a frente e, quando dei por mim, estávamos Lucila e eu no palco, juntos com o coro, ela na ala dos sopranos e eu entre os dois protagonistas, com uma cesta de vime nas mãos. Imediatamente uma das crianças me deu um ramo de louro e com um cutucão ordenou que eu a pusesse atrás da orelha. Quase deixei cair a cesta, depois comecei a procurar Lucila pelo palco e descobri que ela tinha abandonado o coro. Estava agora dançando de braços abertos por entre as coxias.
Estranhamente eu sabia exatamente o meu papel na peça e o desempenhei com maestria. Os meninos que dialogavam tinham um forte sotaque britânico, mas falavam em português, porcamente. Parecia uma cena mal adaptada de Júlio César. Brutus oferecia vários tipos de frutas silvestres a César e dizia que se ele provasse todas as frutas não seria esfaqueado. Disfarçadamente perguntei ao figurante ao lado por que os dois não falavam em inglês. A peça parou e todos se viraram para mim sorrindo. Disseram em coro: “Porque essas pobres crianças não entendem Shakespeare”. Ouvi aplausos. Era o fim da peça. Seguimos todos abraçados até a beira do palco e reverenciamos o público, composto por absolutamente ninguém. Saí então à procura de Lucila pelas coxias e encontrei Cinna num canto do palco lhe entregando sua túnica e o seu pior poema. Apertei calorosamente a mão de Cinna e disse: “Não ligue para o que dizem sobre seus poemas”. E me arranquei com Lucila dali.
Lucila parecia embriagada e muito feliz. Eu agora estava dirigindo o carro. A rua cheia de buzinas e pedestres que escorriam pelos bueiros como lava. Os carros em volta todos lotados de misturas de homens e animais, como um sujeito com bico de tucano e outro com um topete e focinho de porco. Aquilo me assustou e eu parei o carro para vomitar. Lucila acendeu um enorme charuto de maconha e tomou a direção do carro. O trânsito começou a andar e Lucila parecia não saber o que estava fazendo. Uma luz vermelha intercalada com uma sirene atrás de nós. “A polícia, querida”, eu disse a Lucila, e ela fechou o carro da polícia.
Um policial se aproximou vagarosamente de nós e levantou seu quepe com uma garrucha, como se fosse uma bicha policial, mas com a cara do policial que Hitchcock usou em Psicose. Lucila abriu a janela e soltou uma longa baforada no rosto do policial, enquanto eu tentava ajeitar as coisas sujando minhas calças. O policial, no entanto, era muito educado e, depois de conversar sobre receitas de doces portugueses com Lucila, nos levou até a delegacia – e durante todo esse trajeto eu apenas pensava, mas não conseguia falar.
Na porta da delegacia minha voz voltou e eu não demorei em argumentar com o policial que o mundo inteiro usava maconha, que seus superiores eram provavelmente os principais responsáveis pelo bom funcionamento do tráfico e que, enfim, não havia motivo para nos levar em cana. Ele me olhou sorrindo e deslizou levemente o dedão pela minha testa. “Vejam só”, ele disse, “esse é do tipo brigão”.
“Sou... p... pacífico”, respondi com a voz entrecortada.
“A testa proeminente. Os traços neandertais. Os neandertais já são adultos com 15 anos”.
Tomei a frase do policial como respeitosa e aceitei visitar a delegacia sem resistir. A delegacia era como a sala de espera de um hospital. Várias pessoas feridas e vendadas riam lá dentro. O desespero subiu pela minha nuca. Procurei Lucila, mas Lucila havia se transformado noutra mulher que eu conheço, mas não reconheço agora que lembro do pesadelo. Mesmo assim essa mulher me acompanhou até que policiais de jaleco, uns cinco deles, me cercaram e um me disse que eu precisava fazer uma bateria de exames. Os outros riram.
Uma porta se abriu no mesmo momento em que a mulher na qual Lucila havia se transformado desapareceu. Um homem de farda militar com uma capa cirúrgica desatada surgiu de dentro de uma névoa grossa com uma enorme seringa na mão e o sorriso emprestado do demônio. Comecei a me debater, mas foi inútil. Me agarraram com toda força, mas sem nenhum esforço, e me arrastaram para dentro de uma antecâmara, de onde ainda podia ouvir risadas estrondosas vindas do lado de fora, misturadas com gritos de pavor e esguichos. Além do homem com a seringa, mais dois sujeitos de maneiras muito polidas me observavam com as pernas cruzadas. Um deles me prendeu a uma estrutura metálica. O outro se levantou e seguiu de costas para mim até uma prateleira. Eu sabia quem era este outro, mas não consigo reconhecê-lo agora.
Ficaram todos por um tempo me observando silenciosamente, enquanto eu gritava por ajuda, por deus, que não queria ser torturado, que não havia necessidade para tanto: outra vez os gritos em vão. O primeiro que tinha se levantado segurou minha cabeça por trás para que ficasse imóvel. O que eu sabia quem era, mas sou incapaz de reconhecer agora, se aproximou de mim vagarosamente com um frasco de soro fisiológico na mão. O homem com a seringa apenas me observava com as pernas cruzadas e um leque bordado com símbolos orientais, que abria e fechava ininterruptamente na frente do nariz. Sabendo que eu o reconhecia, mesmo sem saber dizer quem ele era, o sujeito que havia se aproximado começou a espremer soro para dentro do meu nariz e, quando supliquei que ele parasse, ele apenas disse (quando vi que não tinha olhos): “Você desperdiçou sua vida. Agora vai ser assim”. Então o homem da seringa começou a me espetar violentamente por todo o corpo e, quando ele finalmente ergueu a seringa ensangüentada para dar o golpe final no meu pescoço, eu acordei com um trovão, completamente encharcado pela chuva. As persianas se debatiam assustadas com a noite e Jean Genet conversava com o vento.
Fui correndo até a cozinha e me lancei sobre uma folha de papel que voava pelo chão onde, ainda atordoado e aos garranchos, anotei:
Descobrir quem é Lucila e no que ela se transformou. Descobrir quem é o sujeito que me tortura sorrindo e por que ele não tem olhos.
Fui ao banheiro lavar o rosto. Olhando no espelho, não vi nada. E tive que dar a descarga no meu coração, mesmo sabendo que Lucila ria em algum lugar.
Um comentário:
isso é a loucura em seu estado mais puro e devastador.
noite difícil.
Postar um comentário