13.12.05

"Por dentro das penas no chão molhado do mundo"

Trabalhe duro e reze, que você conseguirá uma corcunda.
(velho ditado polonês, não tão popular)

Isso não é perigoso?

Viver é. Além disso, não há mais nada que possamos fazer.

Mas precisamos saber como chegar... Ou precisamos pelo menos saber onde... Que tal ficarmos com como? O que te parece? Como talvez seja melhor que onde, você não acha?

Você bebeu?

Muito. Você?

Quase.

Desce devagar que o mundo está molhado.

Assim a gente pelo menos chega mais rápido.

Com cuidado! Não se esqueça de que nos esperam sentados com croquetes de carne e cerveja escura e lombinhos com queijo e tortas de maçã e mil folhas com creme, pão preto.

Aqueles do gueto alemão?

Esses. Parece que morreram e nos esperam lá para que possamos fazer a gentileza de...

Parece que é o trânsito...

O que você bebe?

Vinho tokay, e você?

Cerveja de raiz de vidoeiro.

Você é um grandíssimo sanguessuga de uma figa. Proponho um brinde a isso!

Os dois brindam, se abraçam e começam a cantar:
“no país do não-me-lembro / dou três passos e me perco”.
Algum tempo passa em absoluto silêncio.
Então uma forte batida: buzinas, vozes, sombras, sangue, água corrente, medo, delírio, esperança. Será mais fácil morrer pela causa do que viver por ela? Os insetos se calam.

O que estamos fazendo aqui?

Você não se lembra?

Não. O que estamos fazendo aqui?

Esperando... O trânsito... Mas por que quer saber? Temos tempo.

Você ainda tem as pinturas do Modesto Mussorgsky?

Toca-fita ligado: Quadros de uma Exposição.

Parece que agora o mundo escorrega mais rápido ainda.

O que afinal você quer de mim?

Eu mesmo.

Você mesmo, de mim... Podemos negociar. Além disso, não há mais nada que possamos fazer.

Muita neblina. Acho melhor pararmos... Uma placa! Perigo! São eles ali?

Aqueles sentados juntos numa mesa sob a neblina?

Sim, aqueles congelados... Está vendo, ali, naquelas teias de aranha... São eles ali?

Não. Aqueles somos nós. Outra vez, temos bons corações.

Acabou seu vinho tokay?

Sim, mas ainda temos vodca. E sua cerveja de raiz de vidoeiro, acabou?

Sim, me passa a vodca.

Não há necessidade. Abre a janela. Está vendo, vindo do céu?

Espera um pouco: esse aqui sou ou é você?

Nenhum dos dois, eu sinto.

Você vende penas?

Sim, eu vendo penas.

Logo depois o carro some na névoa. E ninguém até agora sabe quem morreu e quem sobreviveu por dentro das penas no chão molhado do mundo.

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