12.12.05

"Estátua Portenha"

o amor não tem substância


As mulheres ali pelas bandas da Avenida de los italianos, a qual eu percorria por uma razão sentimental, andavam de mãos dadas e eu me sentia tão bem, tão sortudo por poder ver tamanha demonstração de carinho e delicadeza em público, algo que nenhum homem é capaz de fazer, porque as mulheres de Buenos Aires simplesmente se dão as mãos ou os braços e seguem em frente olhando para o chão, como se houvesse algo de irremediável em viver sobre o chão da Terra que as impedisse de sorrir.

Então cortei pela Córdoba, quebrei na San Martin, parei para tomar um trago e um ar na praça onde o general libertador aponta para onde meu desejo nunca pôde alcançar, então percebi que tinha bolhas nos pés por ter pensado demais debaixo do sol quente, porque o diabo de Buenos Aires é que o céu é tão azul quanto o azul da bandeira Argentina, mas o sol não é tão bonito quando racha o pixe debaixo da sola furada do teu tênis velho.

Ou talvez fosse apenas o malbec tinto vagabundo de dois pesos e meio mais uma menina muito alta, não muito bonita, mas muito compenetrada no seu bloco de desenho – o que para mim é muito bonito numa mulher – sentada por ironia no Parque Mujeres Argentinas, muito concentrada nos traços de um dique que rabiscava alternadamente com os dedos finos enlaçados nos cabelos de cachos claros na ponta da orelha e a língua marcada de vinho para fora, metade mordida, saliva na ponta do dedo, pontas dos dedos esfumaçando os traços num comportamento artístico, sério e desleixado, estilo em suma, uma garrafa pela metade de um syrah tão vagabundo quanto o meu malbec ao seu lado no chão, o que nos tornava automaticamente cúmplices dentro do que tinha imaginado para mim mesmo como uma viagem agradável, imaginativa e adimensional, sem necessariamente ser todo tempo real. E quando ela franze a testa e usa a borracha, eu penso que isso significa que por mais que você queira, jamais vai conhecê-la além do que ela quiser te apresentar.
Seu lápis caiu quando ela se agachou para repousar a garrafa do seu quarto de vinho no chão. Não sei porque ela olhou para mim e não sei porque eu não pude olhar para ela, já que queria tanto ser um traço do seu rabisco, mas mesmo assim apontei para o lápis, embalado pelo vento atrás do banco, quando vi que a moça era uma estátua de mármore, o lápis era meu próprio lápis e eu estava apaixonado por uma estátua, tão quieta e pálida quanto uma portenha.

5 comentários:

Anônimo disse...

tá lindo, leo. quando eu leio teus contos o prazer da leitura é atropelado pela imensa melancolia de que a vida deve ter passado por mim e eu esqueci de perceber. ou só não sabia. beijo

Anônimo disse...

ta muito bom leo. texto rapido, mas que diz muita coisa. percorrer essas linhas eh como um bom trago do malbec vagabundo ou um relance de olhar de uma bela estatua. o conto eh realmente cativante e bom de ler.
bjos.
luiz petti

Anônimo disse...

Gostei muito do final, Leo.
Beijo.
Tommy.

Anônimo disse...

...queira ser essa estátua...

Anônimo disse...

bem bonito Leo.
De uma suavidade e melancolia que concordo com a Dani lá em cima.
E tá fazendo sucesso com a mulherada, né? Tem até alguém querendo ser a estátua...risos.