se para mim fosse possível escrever sobre a lágrima
teria que falar de lembranças perdidas na confusão de passos tortos
lembranças pelas quais choro sem molhar o lenço da minha culpa
por aquilo que deveria ter deixado de lado em benefício de novas alturas
pelos charcos de delicadeza enterrados em tumbas lapidadas de esquecimento
pelo sofrimento de cruzar caminhos invisíveis sem entender a razão das coisas
pelo sol por detrás das árvores, quando as folhas balançam, se soltam e caem
e pelas folhas secas verde-amareladas que só choram quando a gente chora
seres tão cúmplices quanto imaginários, tão passionais mas...
...quando morrem e caem sobre o orvalho
deus absurdo, nada tão cruel quanto sacrificar a natureza pelo tempo escoado.
mas a lágrima continua ali, intacta, dentro de uma pequena taça
lágrima a quem digo bom-dia, boa-sorte, durma-bem, mas não passa
lágrima que não sei do que é feita, para onde vai, de onde vem ou como
queria falar sobre ela, escrever uma elegia com sua tinta transparente
mas para isso seria preciso métrica, e quando mede uma lágrima?
na impossibilidade de escrever sobre a lágrima, me inclino à pausa reflexiva:
quanto vale o choro dos desvalidos?
quanto vale o choro dos decapitados?
quanto vale a dor de um coração aflito?
quanto vale a busca pelo indeterminado?
minha lágrima tímida, lona de balão em chamas
custa desaguar por quem sem ti é raso e coxo
quero de volta tua foz, quero propor as pazes
preciso de ti como as flores amarelas do vento
hoje acordei e fui te visitar dentro da taça
porque era oco o peito, seca a garganta
e a última coisa de que tenho lembrança
é o vazio mórbido da tua ausência em mim.
15.12.05
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