com um gosto ruim no
céu da boca
de ferro envelhecido nas
entranhas
passo correndo e me
lembro: hoje
é o aniversário de
clarice lispector.
saber disso, penso em
seguida, não
ajuda em nada, mas sigo
em frente.
uma garça, entre
garças, mastiga
o pescoço de um pássaro
silvestre.
as outras garças, como
gângsteres,
aproveitam o sol a pino
e se calam;
até os animais
conspiram por aqui.
penso que talvez a garça
não passe
de um burguês que fugiu
de um spa.
jovens casais fora de
forma e bonitos
aplaudem com artificial
entusiasmo
uma pessoa pobre que
morre de calor
dentro de uma fantasia
de rata gigante.
os bebês sentem o tédio
do banqueiro
e bocejam como jogadores
de pôquer.
de mãos dadas, em roda,
roupa branca,
pessoas felizes
agradecem pelo sentido
inafiançável das vidas
em comunidade.
homens jovens
estupefatos, com rugas,
apresentam, apesar de
tudo, descamada
a pele que não mascara
o crime discreto,
mulheres atraentes,
cabelos presos, lisos,
no topo da cabeça,
pescoços de escultura,
marcham rumo à glória
com nariz de faca.
eu mesmo ali, nada bem,
correndo de quê?
cães mais sagazes e
alegres do que as cinco
gerações de humanos do
tipo mais ordinário.
juliana krapp – quem diria
– sempre elegante,
fora do seu poema-hit,
dentro do meu poema,
faz jogging, por mais que ela não possa
saber
que passei por ela e
depois bebi água de coco
e pensei: uma poeta-atleta
é uma ideia de paz,
um ato de fé, boca sem
dente diante dos ossos.
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