17.12.23

"monjolo"


para carla, diogo & laura


tu, escravo de madeira,

ferrolho de lobotomia,

moedor contrabandista:

trabalhas, feio, no breu,

jesus da classe operária.

 

te encontro neste livro

que o diogo aconselhou

e carla com fé escreveu.

teu nome parece banda

punk latina ou japonesa,

roque progressivo inglês

ou nome de sorvete bom.

mas o critério indochino

que move os teus murros

revela a violência choca

com que damos bom dia.

 

mais rápido que um pilão,

agiota pacífico do coração,

carregas até o fim poemas

menores que o teu esforço.

como este que se esconde

por trás da casa-fantasma

onde vivem crianças órfãs

e os livros que desejamos.

 

monjolo que une o desejo

de triturar e também criar

outra vida dentro da boca.

vida que favoreça a pausa

forçada de quem despenca.

15.12.23

"uma outra volta pela lagoa"


com um gosto ruim no céu da boca

de ferro envelhecido nas entranhas

passo correndo e me lembro: hoje

é o aniversário de clarice lispector.

saber disso, penso em seguida, não

ajuda em nada, mas sigo em frente.

 

uma garça, entre garças, mastiga

o pescoço de um pássaro silvestre.

as outras garças, como gângsteres,

aproveitam o sol a pino e se calam;

até os animais conspiram por aqui.

penso que talvez a garça não passe

de um burguês que fugiu de um spa.

 

jovens casais fora de forma e bonitos

aplaudem com artificial entusiasmo

uma pessoa pobre que morre de calor

dentro de uma fantasia de rata gigante.

os bebês sentem o tédio do banqueiro

e bocejam como jogadores de pôquer.

 

de mãos dadas, em roda, roupa branca,

pessoas felizes agradecem pelo sentido

inafiançável das vidas em comunidade.

 

homens jovens estupefatos, com rugas,

apresentam, apesar de tudo, descamada

a pele que não mascara o crime discreto,

mulheres atraentes, cabelos presos, lisos,

no topo da cabeça, pescoços de escultura,

marcham rumo à glória com nariz de faca.

 

eu mesmo ali, nada bem, correndo de quê?

 

cães mais sagazes e alegres do que as cinco

gerações de humanos do tipo mais ordinário.

 

juliana krapp – quem diria – sempre elegante,

fora do seu poema-hit, dentro do meu poema,

faz jogging, por mais que ela não possa saber

que passei por ela e depois bebi água de coco

e pensei: uma poeta-atleta é uma ideia de paz,

um ato de fé, boca sem dente diante dos ossos.