2.11.21

"para nelson freire"


in memoriam


sou o músico que não

conhece o seu instrumento,

mas ama-o e, quanto mais

o ama, menos o conhece.

e só daí tira força para

aumentar ainda mais

esse desconhecimento vital,

que também se chama morte,

quando o silêncio se alimenta

de rachaduras, e tu que és

o músico te sentas outra vez

diante do teu instrumento,

com as mãos trêmulas

e nenhum domínio da tua

língua, nada que possa encobrir

o catálogo dos teus erros,

a gota da tua seiva secou

no amparo da tua sorte,

tudo se afasta agora

e reconheces o milagre,

o duro milagre da falta

que te move para dentro,

quando te assustas e queres

então sair, mas não há

para onde sair já que nunca

entrastes, sempre observando

à distância o que te cobra o cerne,

tão lindo quanto mais distante,

tão puro quanto mais profundo

é teu rigoroso desamparo,

mas de qualquer outra forma

não seria amor.

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