para suzana, adelaide, jô e
natércia
dia desses quebrei uma
tigela de vidro,
uma que era da minha
sogra, ela usava
para fazer macarrão com
atum, a tigela
perfeita para se fazer
essa receita dela.
simplesmente apanhei os
cacos na pia,
coloquei dentro de uma
caixa de papel,
pensei em como eu era
bondoso porque
era capaz de pensar na
pessoa que iria
recolher a caixa e não
cortaria as mãos.
e tomei a decisão de
não contar nada,
o que, depois de
perceber que a tigela
havia mesmo se quebrado,
pois não era
possível que tivesse
sumido, então tive
que me declarar
culpado, a posteriori,
assim pensei que aquilo
era uma falha
de caráter; uma amiga
minha me falou
que escondi porque eu
não tinha mãe.
agora penso que era
também porque
eu nunca pude olhar com
facilidade,
da minha posição de
órfão precoce,
alguém ficar infeliz
por algo que fiz.
minha mãe espiritual então
me disse:
os homens vieram ao
mundo apenas
e tão somente para
quebrar as coisas.
isso me serviu melhor
do que pensar
que eu era um criminoso
sem caráter
e que, no fim das
contas, é bem bom
ter várias mulheres
sábias por perto.
isso me fez pensar em outra
conexão:
essa minha amiga também
escritora,
a primeira escritora
que eu conheci,
acaba de escrever uma
novela sobre
cacos que juntamos
quando somos
quebrados por dentro da
nossa vida
pela morte de pessoas que
amamos.
senti vontade de dizer
a ela que, sim,
mesmo escondendo muitos
cacos ruins
debaixo de tapetes que
não eram nossos,
chegamos aqui de pé, pobres
flagrantes
do amor que nos
consumiu e nos tornou
a brasa calma de um
bombardeio aéreo –
resta comprar uma
tigela e pedir perdão.