26.11.20

"barrilete cósmico"


para diego armando mar(ad)ona

 

fecha a tua mão mais uma vez,

eu fecho meus olhos selvagens

e abro naquele mesmo planeta

de onde vieste baixo e irritado,

como um tio, toca meus lábios,

com empáfia, ira e aguardente,

como um irmão, soca meu rosto,

ainda por outra vez não morras

pois não morre um alienígena,

ou não da forma que pensamos

conhecermos o que é o morrer,

na boca dos rufiões dos portos

de todas as bocas brabas latino-

americanas em que os anjos são

apenas nomes de rua e tremores

nas bocas desdentadas de velhas

que são também minha avó, eu

que por pouco não pude possuir

teu nome quando era também eu

da legião dos envocados baixos,

eu vejo você um pouco meu pai,

no que és um italiano camponês,

de família operária, então fecha

teus olhos e pensa sou garibaldi,

heroi xamânico em transe magro,

de madre indígena como herdeiro

dos povos originários de américa,

dos povos de esquerda de américa.

 

e o anticristo gauche em ti se eleva,

e te toca somente do lado esquerdo,

até implodir as coisas em sacrifício

então passas feito o boneco de luz

raspando o bigode reto do fascista

e do usurpador da energia alheia,

porque foste tu meu sanguessuga

na carne turva da minha infância,

a comparação nominal do trauma

que me definiu paz descontrolada,

carnaval do corpo em puro enlace

de uma decadência tão doce que é

o tapa na cara do nosso equilíbrio

mórbido de paredes e repugnância.

 

és completo e te defines compacto

sempre no pico da onda da morte,

até que passaste bem lentamente

para o tamanho do estrago poético,

tua causa, teu mármore raspado,

como o membro vivo da família,

veia aberta de um tango com faca,

impureza que entorta a hipocrisia

enquanto fecho meus olhos nativos

e xingaremos hirro de puta a todo

europeu que vaiar nosso hino pleno

de todo migrante, vagabundo heroi

de quem em cada viela há um ícone,

o canal com deus para todo um país,

mas vieste de outro mundo e o teu é

um outro deus, que gostaria também

me levasse ao mesmo céu que o teu,

eu que sempre fui baixo e compacto,

sempre irritado com o que não sabia

dizer do jeito claro então eu rosnava

e lançava-me nu em aventura épica,

tu, cristo que falava palavrão e pinta

com tintas eternas o traço do trovão,

arco completo da existência em fúria,

e feito louco soubeste ganhar e perder,

explodir feito o barril antidiplomático

que permite definir o sermos pobres

latino-americano indígenas operários.


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