26.4.20

“uma canção amorosa”



tenho sorrido, tenho chorado,
tenho agradecido e penado,
tenho sido divino e humano,
porque finalmente as coisas
se abrem em fluxo anímico
numa estrada que me cega
e mesmo de olhos fechados
eu posso seguir com vocês.

porque preciso de cada um,
de cada alma que percebe
a dificuldade de estar aqui.
a dificuldade também pela
beleza de tudo ser tão difícil
e, só por isso, magnânimo.

quero a dor de cada um
perto da minha dor e que
cada alegria também seja
repartida por cada pessoa.
não vestir mais o pijama
em meu coração tão frágil,
poder arregaçar as mangas
do espírito e me abrir para
tudo que constitui a vida.

a felicidade é também uma
dureza pela qual agradeço.
porque muitas vezes não sou
meritório e mesmo não sendo
recebo as dádivas do mistério
deste perigo próspero, desta
entrega convulsa que se doa
para que todos sejamos puros
em nossa profunda imundice.

que seja possível ter na mão
este bastão em chama fluida
por anos de se levantar e cair,
e que o meu pai possa sorrir
quando a imagem do seu filho
às vezes pobre, às vezes rico,
pairar em sua mente paterna.

que ele saiba que este ciclo
serve apenas para limparmos
a antessala de nossos defeitos
para que a sujeira seja a luz
e o guia de toda boa vontade.

eu agradeço até pela culpa
que se reverte em luta leve
e por cada pedaço de limo
em minha caixa d’água tão
suja e pelo amor que sinto
pela sujeira permanecente
que me permite continuar
a limpeza sem que precise
descansar, vestir o pijama
na alma às vezes exausta
e tão sedenta de liberação.

quero andar junto a todos,
até me arrastar eu quero,
porque estar por inteiro
lado a lado com cada um
vale o esforço amoroso
de abrir o peito, fechar
os olhos e querer o bem.
pois estamos em chamas
e tudo em volta é brilho,
apesar de toda escuridão.


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