fumo cigarros não pelo
prazer,
por alguma ansiedade ou
vício.
fumo porque sinto que
preciso
duma forma concreta de
morrer.
que não dependa da
depressão,
que devagar fixa o sorriso
gasto
das estátuas de cera em
pessoas
que ademais souberam morrer.
eu mesmo não morro ainda
reluto
porque o cigarro é um
tique-taque
imparável que não leva
em conta
o ânimo ruim de um
neurastênico.
em meu completo
desamparo,
juro para mim que todo
mundo
pensa que sou mais
inteligente
ou mais relaxado com
essa vida,
quando estou fumando o
cigarro
pensando meu deus eu
consegui
abandonar a bebida e
agora vou
ser a farsa da
serenidade adulta.
não digo que eu me
desespere,
ainda agradeço por
estar vivo,
mas fumo e ouço o
tique-taque,
vejo o cinzeiro como um
deus.
não – agora eu não posso
parar,
pois o mundo dá pinotes à volta
e eu me afasto então do
mundo
e não acho nada dentro
de mim.
pior que faço tudo isso
na ideia
de me poupar de uma dor
maior
que seria esperar muito
da vida
ou meditar por uma hora
ao dia
como faz um presidiário
indiano.
no fundo creio que fume
cigarros
porque não seja um
indiano preso
que bem dizer é um homem
antigo.
que seja eu a escrever
este poema
é triste e ao mesmo
tempo preciso.
agora que leio poemas
tão bonitos
preciso fazer um que
diga a verdade.
não entendo mais como
fazer amor,
não jogo baralho com
meus fantasmas.
passo liso com o fake
sorriso de cera,
sob os viadutos dessa
terrível matinê.
calma se esgota no
tremor das mãos,
faço mal as coisas ao
mesmo tempo,
na ansiedade de ser um
grão de areia
útil enquanto esmurre o
tique-taque.
ainda assim não consigo
me entregar
àquilo que talvez fosse
uma salvação.
hospedar-me faceiro
dentro de mim,
peidar de mão cheia aplausos
amarelos.
com o cigarro faço uma
espécie de elo
desolador mas que é
também unânime.
começo a escrever como
essa máquina
arregaçada de medo à
espera do apito.
fumo para não ser eu
mesmo um bicho
e porque o cigarro é
uma incompreensão
comprável como coisas
que se almejam
diante do muro de um
raríssimo silêncio.
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