2.5.18

“sobre como lidar com o gênio”



confesso que me sinto muito mal,
nauseado, com pressão irregular,
quando leio um trecho genial
de alguém que posso abraçar.

acontece muito com a rita isadora,
que vez em quando vem com uns
maremotos e fendas que se abrem.
eu nunca me sinto bem quando digo
que adorei as imagens ou que fiquei
sem fôlego ou que aquilo me matou,
porque no fundo chegar muito perto
do gênio causa náusea, pressão baixa,
acima de tudo se quem traz o gênio
é alguém que eu posso abraçar, amar.

outras vezes a coisa acontece
com escritores de que não gosto;
daí é quase muito bom, mas não
se pode confiar demais nas boas
sensações, então, um pouco tonto,
acabo triste porque não abraçaria
este gênio mesmo sendo genial.

quando converso nas ruas e bares,
que frequento agora muito pouco,
estou sempre pensando enquanto
escuto todo tipo de elucubração:
diga tudo, mas não seja genial, ok?
e a contrapartida disso é que não
entendo o que as pessoas dizem.

se é um fiódor dostoievski, oquei,
pouco me afeta, sinto as borbulhas,
vai tudo bem, bom que seja genial,
mas fiódor é um busto carrancudo,
está a anos-luz da minha precária
compreensão desse mundo canino.
só não me venham vocês, pessoas
que amo e que posso abraçar, roer
a frágil estatura dos meus nervos.

vocês eu posso abraçar – é a única
coisa que eu posso fazer sem medo.
no mais, terei um choque elétrico
a cada vez que me vierem com tais
peças de humor sensíveis e afiadas
sobre a desgraça que vivemos mas
ainda de cabeça erguida e capazes
de abraçar e de rir um pouco disso.

perto do gênio arruinaríamos isso,
seria atear uma fogueira alta demais
e num minuto estaríamos morrendo
de bílis negra e fadiga de compaixão.

não sei o que é melhor à sociedade
– a mim é melhor poder abraçar
da maneira mais estúpida à mão
e nunca ser gênio, nunca destruir.

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