16.5.15

"enquanto agonizo"


o que é incontrolado e,
mais precioso que o mundo,
se aloca na doença.

o beijo da presença
que se liquidifica
na promessa longínqua
com o gosto amargo
da lembrança.

no fim morrerás
do que te faz vivo e,
quando nada mais o fizer,
então viverás para sempre.

"manifestação de direita"


alimentas catástrofes de pelúcia
enquanto atinges um ritmo de pedra.

antecipas tua vergonha numa
inundação interplanetária.
a mãe indígena tem culpa
por escolher o dia da cesárea.

os artistas são negociantes
com talento para fazer arte.
suas almas são amigos ricos
em seus saraus apaziguados.

ao longe tua sorte se abre
diante de um labirinto em chamas.

é preciso agora alimentar
tuas quatros patas.

a ofensa, dever do pobre
foi comprada também pelo rico.

nas ruas, as roupas cospem
as lindas cores da bandeira.

"revolução solar"


plutão diz: tu vais sobreviver.
é o planeta mais devastador e poderoso.
daqui não passarás, ele também diz.
mas há algo que não morre
no que morre da passagem.
portanto fica vivo no que deixa de ser.

netuno é forte, já é sabido,
mas água em abundância
pode dar em afogamento.

urano te faz um palácio, mas indica:
o sublime exige um sentido, que muda.

são três peixes que fazem
teu inventário emocional de conchas.

desvendar-se, invejar as viagens,
encolher-se, ler, escrever bem, mal,
escrever nada, então escrever sem ato:
há ainda muitos anos, não se engane.

outras partes da cidade
são importantes para a alma.
tua alma se gasta no asfalto
de curvas semelhantes.

contato com o estrangeiro
que existe em ti
e de quem cobras
dispendiosa hospedagem.

imagem de um homem
sobre uma flor de lótus.

um leão caminha sobre a lua,
acidentalmente dignificado
por divindades astrocômicas.

queres a graça do público,
queres te fazer observar,
mas não estás na multidão.

sem garras sob um fio d’água,
o instinto já não encontra
um chão comum à expressão
mais radiosa de teu jorro.

flashes não convencionais
povoarão os frutos
como relâmpagos na floresta.

amarás geralmente,
outros dias amarás sem vontade,
outros dias serás esquisito.
tua falha será represar ódio.
ainda assim pensarás: amo.

busca de equilíbrio entre
sobriedade e jovialidade:
é isso que ensina saturno:
uso doméstico da loucura.

10.5.15

“todo instante sem ti”


como é amplo o limite entre os amantes,
não saber a hora entregue a todo instante,
nas gavetas dos fantasmas, abrir os olhos,
sem palavras, pronunciar amor aos poros,
longe da certeza, revelar o salto múltiplo.

tua presença é a energia do meu espanto,
coreografia estelar do amparo sem êxodo.
cartas enfileiradas na entranha do refúgio,
os vultos eretos são nada enquanto danças
telepaticamente no chão gasto da saudade.

vais mas voltas e, quando voltas, encontro
as paredes da memória repletas de cânticos,
sagrada colisão de asas na franja do tempo.
até que ressurjas com teu compasso gitano,
todo instante sem ti é aqui um som a menos.

“mais um dia das mães”




faz frio aqui na terra, juca, mas eu sei
que sentes minha presença muito bem
fora da terra e dentro do teu território.
o frio aqui é uma conjuntura contínua,
percebes que guardamos tanto de nós
para sobreviver às geleiras da loucura.
me ensinaste com teu peito a suplicar
pela magia simples que de longe olha.
os barquinhos na banheira ganham limo
e as camisas brancas se tornam amarelas
no pano ritualístico da lágrima comum.
desculpe se não deixo que desapareças,
desculpe se não permito que descanses,
mas faz frio hoje, juca, faz frio na terra,
e nenhum dia é jamais um dia comum
desde que os barquinhos na banheira
ganharam limo e o limo é feito o afeto
que diluo em lembranças inventadas
e verifico em rugas debaixo dos olhos
fechados na proteção dos teus cabelos.