sinto que posso
me apaixonar
por uma pessoa
(qualquer pessoa)
a qualquer momento.
e posso lhes garantir:
é uma terrível sensação.
a gente fica besta
e fala tudo
sem pensar antes,
na base do susto.
isso fora as dores
estomacais
pela antecipação
emocional
do encontro fugidio.
andar se torna
um hábito, o amor
está à espreita.
é pior que ser
perseguido
por alguém
mais forte
que você.
é como ser
descoberto
atuando mal.
o palco fica
pequeno demais
e as flores
são de plástico,
após um espetáculo
sofrível e apesar
dos tapinhas
nas costas
após o término
do mesmo.
sinto que isso
vai acontecer
em muito breve.
e deverei cair.
e não vejo a hora.
e deus nos acuda.
e isso é tudo
o que podemos
dizer que existe.
27.7.12
17.7.12
"Bandido Diário"
Tenho aprendido, sem você, a brigar nas ruas,
nas casas, com pessoas, sobre pessoas, com coisas, sobre coisas. Concluo que
aprendemos a brigar para aprendermos a morrer. De todo modo, a morte sempre
rodeou meus pensamentos, agora ela se chega mais ao pé da cama. Daí o clichê:
tenho aprendido a brigar, tenho aprendido a morrer, mas não quero morrer, e me
recuso a aprender, preciso me recusar, do contrário, se aprender é, de qualquer
forma, aprender a morrer, eu estaria me matando. Ainda assim, meu infortúnio é
que, de fato, tenho sido arrastado a aprender. Ainda que não queira morrer e
isso me incomode, tenho acordado com dor nas costas, meus cabelos estão duros e
os olhos esbugalhados. Penso: estou aprendendo. Mas não posso morrer porque
preciso morrer ainda mais. Não quero morrer enquanto pessoas como eu, piores ou
melhores do que eu, estão morrendo de aprenderem a morrer. Negócios de morrer.
Gostaria de dizer alguma vez: “desaprender de aprender”, mas seria absurdo e,
de todo modo, inviável. Vem-me de repente às ideias uma gana de morrer.
Desaprender até o fim, até a vida outra vez. Morrer ainda mais, o que se chama
“tomar uma atitude”. Terei estômago? –
pergunto a você, tão longe e com tantos problemas ou mais do que eu. Mas não
adianta perguntar isso a você. Perguntar, portanto, à natureza misteriosa dos
acontecimentos, já é uma forma de humildade, uma humildade estúpida, de fato,
mas não se esqueça de que muitos de nós temos por base uma crucificação para
simbolizar a perfeita humildade. Ganas. Hoje acordei com esta palavra. Associei
a palavra automaticamente a você porque, como eu disse, tenho aprendido a
brigar, tenho aprendido a morrer, não quero morrer. Um bangalô no centro da
cidade, naquela rua comprida e barriguda onde existe aquele prédio que é um
misto de tudo, um pequeno antro onde se pode tomar cerveja barata e receber sua
visita (e do bebê) semanal e regular. Isso eu chamarei mistificação da
aprendizagem. Precisaria de um emprego, é claro, mas talvez você pudesse me
ensinar, com sua surpreendente agilidade, a viver sem um. Quero, afinal, um
emprego melhor. Um emprego geográfico de inserção. Ou poderia apenas dizer:
mudei, mudei a olhos nus, nada agora voltará, muito se desgrudou, não há mais
cola. Aqui estou, no entanto, ando ereto. Olhe bem aquele rapazinho com
expressão grave louco por amor e enganado com o que seria sua real situação fazendo
um tipo desgraçado debaixo da chuva. Um homem ainda assim, ainda assim um
homem. Com uma placa pendurada em volta do pescoço em que se lê: “por favor,
seja meu emprego”.
Rio de Janeiro, 15 de julho de 2012.
Não
é função do artista oferecer, através de sua arte, esperanças ao povo. Seria
fazer mau uso da arte. O artista deve apenas apresentar um conhecimento
profundo de nossa tragédia inevitável, o que, de fato, alimenta todas as
esperanças. E se mudássemos alguma coisa, e se tivéssemos um mais longo futuro,
em que isso alteraria aquilo que não podemos tocar? O que seria de nós, além do
mais, se concluíssemos nossas esperanças? Estaríamos perdidos, emparedados.
"Veja só, isso é impossível", parece dizer o verdadeiro artista. A
arte, no fim das contas, não passa de uma armadura contra a vida horrível.
Rio
de Janeiro, 17 de julho de 2012.
15.7.12
"girinos"
fora
do normal; não ser pai.
chegar
e ir sem explicações,
sem
perpetuar o mistério.
os
rastros serão palavras,
ainda
quentes, sem olhos,
a
única genética possível,
essa
da criação antecipada
pelo
desespero de não ser.
sem
deixar o grito para deus:
filho,
o que nos terá permitido
nosso
tamanho desencontro?
desligar
para morrer como
um
girino da graça, perder
na
corrente forte sem paz,
ser
apartado da natureza.
em
vão vagar sem rumo,
enquanto
se diz “procuro
uma
resposta para o não
esperar
alguma resposta”.
chamar-se
jovem é o eco
da
morte já que a vida
prevaleceu
em sua casta
interrompida
de desejos.
“de
mim não partirá nada!”,
é
o que gritas, mas esqueces
que
apenas girinos em poças
podem
te ouvir; mas tu falas
apenas
a língua dos homens.
6.7.12
"Marina completa dois anos"
sei
de ti em minúsculas pílulas,
como
se fôssemos dependentes químicos,
selvagens
amorosos que merecem cuidados,
mas
são apenas pílulas,
que
você cresceu, logicamente,
e
sempre está oferecendo seus pertences
às
outras crianças e às tias,
os
cabelos ainda bem clarinhos saltam
já
em cachos e chucas, as pernocas
como
um leitãozinho encabulado,
e
que você fala, conta até dez, assina já
o
próprio nome (ainda não sei o que é fazer isso),
e
que, portanto, o pai está preocupado,
ele
me disse "parece que Marina
tem
uma inteligência acima do normal,
mas
em compensação não pula e se mexe
como
as outras crianças, e tem uma sensibilidade
excessivamente
mental",
enfim,
saiba que isso é normal,
não
mudará em milênios, e que pais nasceram,
vieram
ao mundo para se preocupar conosco,
você
ainda agradecerá por lhe ter dito isso,
e
mesmo os erros se transformarão
em
pequenas ternuras invioláveis,
e
agora que você já troca umas palavras
e
inclusive falou comigo ao telefone,
despedindo-se
com a frase "um beijo, amor",
agora
é chegada a hora, porque seremos
sempre
outra coisa que não mais essa agora,
que
já foi, seremos amorosos um com o outro
e,
espero, poderei te contar algumas boas histórias
pelo
que - não tema - você dirá internamente
"nossa,
papai do céu me arrumou
um
irmão um tanto esquisito",
e
temeremos, não há como evitar o sangue,
juntos
pelas coisas, porque você é
esse
maior privilégio que me foi concedido,
alguém
que posso ver como a um espelho melhor,
e
que ainda por cima, com sorte, não terá problemas
com
as questões de física, química e matemática.
2.7.12
"filosofia da composição"
1.
Saio de meu poema
como quem lava as mãos.
Algumas conchas tornaram-se,
que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.
Talvez alguma concha
dessas (ou pássaro) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu;
talvez, como a camisa
vazia, que despi.
2.
Esta folha branca
me proscreve o sonho,
me invita ao verso
nítido e preciso.
Eu me refugio
nesta praia pura
onde nada existe
em que a noite pouse.
Como não há noite
cessa toda fonte;
como não há fonte
cessa toda fuga;
como não há fuga
nada lembra o fluir
de meu tempo, ao vento
que nele sopra o tempo.
3.
Neste papel
pode teu sal
virar cinza;
pode o limão
virar pedra;
o sol da pele,
o trigo do corpo
virar cinza.
(Teme, por isso,
a jovem manhã
sobre as flores
da véspera.)
Neste papel
logo fenecem
as roxas, mornas
flores morais;
todas as fluidas
flores da pressa;
todas as úmidas
flores do sonho.
(Espera, por isso,
que a jovem manhã
te venha revelar
as flores da véspera.)
4.
O poema, com seus cavalos,
quer explodir
teu tempo claro; rompendo
seu branco fio, seu cimento
mudo e fresco.
(O descuido ficara aberto
de par em par;
um sonho passou, deixando
fiapos, logo árvores instantâneas
coagulando a preguiça.)
5.
Vivo com certas palavras,
abelhas domésticas.
Do dia aberto
(branco guarda-sol)
esses lúcidos fusos retiram
o fio de mel
(do dia que abriu
também como flor)
que na noite
(poço onde vai tombar
a aérea flor)
persistirá: louro
sabor, e ácido
contra o açúcar do podre.
6.
Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;
não a forma obtida
em lance santo ou raro,
tiro nas lebres de vidro
do invisível;
mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,
aranha; como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.
7.
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.
São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.
É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.
É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
da palavra escrita.
8.
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas.
(A árvore destila
a terra, gota a gota;
a terra completa
caiu, fruto!
Enquanto na ordem
de outro pomar
a atenção destila
palavras maduras.)
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:
então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome;
onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio.
(João Cabral de Melo Neto)
Saio de meu poema
como quem lava as mãos.
Algumas conchas tornaram-se,
que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.
Talvez alguma concha
dessas (ou pássaro) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu;
talvez, como a camisa
vazia, que despi.
2.
Esta folha branca
me proscreve o sonho,
me invita ao verso
nítido e preciso.
Eu me refugio
nesta praia pura
onde nada existe
em que a noite pouse.
Como não há noite
cessa toda fonte;
como não há fonte
cessa toda fuga;
como não há fuga
nada lembra o fluir
de meu tempo, ao vento
que nele sopra o tempo.
3.
Neste papel
pode teu sal
virar cinza;
pode o limão
virar pedra;
o sol da pele,
o trigo do corpo
virar cinza.
(Teme, por isso,
a jovem manhã
sobre as flores
da véspera.)
Neste papel
logo fenecem
as roxas, mornas
flores morais;
todas as fluidas
flores da pressa;
todas as úmidas
flores do sonho.
(Espera, por isso,
que a jovem manhã
te venha revelar
as flores da véspera.)
4.
O poema, com seus cavalos,
quer explodir
teu tempo claro; rompendo
seu branco fio, seu cimento
mudo e fresco.
(O descuido ficara aberto
de par em par;
um sonho passou, deixando
fiapos, logo árvores instantâneas
coagulando a preguiça.)
5.
Vivo com certas palavras,
abelhas domésticas.
Do dia aberto
(branco guarda-sol)
esses lúcidos fusos retiram
o fio de mel
(do dia que abriu
também como flor)
que na noite
(poço onde vai tombar
a aérea flor)
persistirá: louro
sabor, e ácido
contra o açúcar do podre.
6.
Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;
não a forma obtida
em lance santo ou raro,
tiro nas lebres de vidro
do invisível;
mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,
aranha; como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.
7.
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.
São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.
É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.
É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
da palavra escrita.
8.
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas.
(A árvore destila
a terra, gota a gota;
a terra completa
caiu, fruto!
Enquanto na ordem
de outro pomar
a atenção destila
palavras maduras.)
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:
então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome;
onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio.
(João Cabral de Melo Neto)
"pé na estrada"
o
amor fugiu, a estrada por onde foi
leva
para muito longe.
e,
agora que ele se foi,
não
sei mais o que dizer sobre ele,
não
posso com emoção discerni-lo,
pois
a fuga do amor nos deixa mais práticos,
e
para discernir é preciso todo erro do coração.
ele
se foi, mas não se dá por desaparecido totalmente.
escorregou
por uma fresta onde corre água limpa,
caiu
no chão e sangue lhe escorreu pela boca.
talvez
assustado ele tenha partido,
mais
perdido do que eu, despejado noutro canto,
onde
a estrada se perde e imagina-se
ingenuamente
que ali há vida,
mas
pobre amor ingênuo e sem forças
para
mesmo aguentar as palpitações...
você
foi correndo e se mandou,
talvez
dentro de alguma mochila juvenil,
rumo
a fronteiras bem mais perigosas,
logo
você, que chegou aqui tão magro
e
eu te dei o que nem tinha para comer,
sorri
emprestado de mim mesmo morto,
o
morto que ainda era vivo e sabia
emprestar
o que não se pode repor.
“emprestar
para sempre”, você me disse e se foi,
no
deformar de uma sobrancelha em susto,
você
se foi porque seu estado é estar sempre
a
poucos metros de distância e toda uma vida.
na
partida não me explicou “veja bem, será difícil,
é
bom estar bem preparado”, nada disso.
portanto
agora, sem ter por que errar,
vai
ser mais duro aparecer em público,
voltarei
a comer os dedos com fúria, é tempo
de
espanar as aventuras que moveram
nossa
relação silenciosa, nem por isso menos frágil.
permita-me
em fuga que, com delicadeza,
eu
possa tratar de mais este misterioso assunto.
o
amor fugiu, até aí ninguém duvida.
ando
as ruas e vejo, em mãos dadas por um triz,
que
ele já não se encontra mais disponível
a
ferir com vida nossos parcos sentimentos.
sumiu,
evaporou no álcool barato, em tremedeiras,
desapareceu
com um beijo lançado para cima,
na
poeira que faz a cena durar um milhão de anos.
não
estou, acho que ninguém está preparado
para
fuga tão abrupta do que, perfeito, escorrega
para
além do ódio disfarçado, além do brilho,
escorrega
arrastando milênios e fundando eras,
ansiosamente,
como um sonho sem recordo
ele
veio, fugiu, não ensinou nada, mas mostra
como
andar sobre o patíbulo em chamas,
desempenhar
o incrível sapateado de fogo –
eterna
fuga que é a graxa entre a vida e a morte.
Assinar:
Postagens (Atom)