Tenho aprendido, sem você, a brigar nas ruas,
nas casas, com pessoas, sobre pessoas, com coisas, sobre coisas. Concluo que
aprendemos a brigar para aprendermos a morrer. De todo modo, a morte sempre
rodeou meus pensamentos, agora ela se chega mais ao pé da cama. Daí o clichê:
tenho aprendido a brigar, tenho aprendido a morrer, mas não quero morrer, e me
recuso a aprender, preciso me recusar, do contrário, se aprender é, de qualquer
forma, aprender a morrer, eu estaria me matando. Ainda assim, meu infortúnio é
que, de fato, tenho sido arrastado a aprender. Ainda que não queira morrer e
isso me incomode, tenho acordado com dor nas costas, meus cabelos estão duros e
os olhos esbugalhados. Penso: estou aprendendo. Mas não posso morrer porque
preciso morrer ainda mais. Não quero morrer enquanto pessoas como eu, piores ou
melhores do que eu, estão morrendo de aprenderem a morrer. Negócios de morrer.
Gostaria de dizer alguma vez: “desaprender de aprender”, mas seria absurdo e,
de todo modo, inviável. Vem-me de repente às ideias uma gana de morrer.
Desaprender até o fim, até a vida outra vez. Morrer ainda mais, o que se chama
“tomar uma atitude”. Terei estômago? –
pergunto a você, tão longe e com tantos problemas ou mais do que eu. Mas não
adianta perguntar isso a você. Perguntar, portanto, à natureza misteriosa dos
acontecimentos, já é uma forma de humildade, uma humildade estúpida, de fato,
mas não se esqueça de que muitos de nós temos por base uma crucificação para
simbolizar a perfeita humildade. Ganas. Hoje acordei com esta palavra. Associei
a palavra automaticamente a você porque, como eu disse, tenho aprendido a
brigar, tenho aprendido a morrer, não quero morrer. Um bangalô no centro da
cidade, naquela rua comprida e barriguda onde existe aquele prédio que é um
misto de tudo, um pequeno antro onde se pode tomar cerveja barata e receber sua
visita (e do bebê) semanal e regular. Isso eu chamarei mistificação da
aprendizagem. Precisaria de um emprego, é claro, mas talvez você pudesse me
ensinar, com sua surpreendente agilidade, a viver sem um. Quero, afinal, um
emprego melhor. Um emprego geográfico de inserção. Ou poderia apenas dizer:
mudei, mudei a olhos nus, nada agora voltará, muito se desgrudou, não há mais
cola. Aqui estou, no entanto, ando ereto. Olhe bem aquele rapazinho com
expressão grave louco por amor e enganado com o que seria sua real situação fazendo
um tipo desgraçado debaixo da chuva. Um homem ainda assim, ainda assim um
homem. Com uma placa pendurada em volta do pescoço em que se lê: “por favor,
seja meu emprego”.
Rio de Janeiro, 15 de julho de 2012.
Não
é função do artista oferecer, através de sua arte, esperanças ao povo. Seria
fazer mau uso da arte. O artista deve apenas apresentar um conhecimento
profundo de nossa tragédia inevitável, o que, de fato, alimenta todas as
esperanças. E se mudássemos alguma coisa, e se tivéssemos um mais longo futuro,
em que isso alteraria aquilo que não podemos tocar? O que seria de nós, além do
mais, se concluíssemos nossas esperanças? Estaríamos perdidos, emparedados.
"Veja só, isso é impossível", parece dizer o verdadeiro artista. A
arte, no fim das contas, não passa de uma armadura contra a vida horrível.
Rio
de Janeiro, 17 de julho de 2012.
2 comentários:
A arte é realmente uma armadura para a vida horrível! E morremos a cada instante por aprender a viver/morrer... Você tem toda a razão! É como se repensasse meus pensamentos não divulgados. Incrível!
Leo, meu bem... me empreste sua "armadura" contra essa vida horrível... Nâo se atreva a morrer (isso é uma ordem, senão eu lhe bato e depois lhe beijo para não deixar marcas). Eu me atrevo até a abrir mão da armadura, desde que você não de deixe perecer sem ter tido a oportunidade de conhecer suas novas esperanças. (Visse?) Moniquinha Melo
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