10.9.11

"Uma vida de cão" (Henri Michaux)







Deito-me sempre muito cedo, e estafado, e no entanto não é visível, no meu dia de trabalho, nada de cansativo.

É possível que não se dê mesmo por nada.

Mas a mim, o que me espanta, é poder aguentar até à noite, e não ser obrigado a ir-me deitar logo às quatro da tarde.

O que me cansa são as minhas contínuas intervenções.

Já disse que na rua andava à pancada com toda a gente. Dou bofetadas num tipo, apalpo as mamas às mulheres, e servindo-me do meu pé como dum tentáculo, semeio o pânico nas carruagens do Metropolitano.

Quanto aos livros, são os que mais me dão cabo da cabeça. Não deixo uma palavra com o seu sentido, nem sequer com a sua forma.

Agarro-a e, após alguns esforços, arranco-lhe a raiz e desvio-a definitivamente da manada do autor.

Num capítulo há logo milhares de frases, e lá tenho eu que as sabotar todas. Isso é-me necessário.

Às vezes, algumas palavras resistem como torres. Tenho que atacá-las várias vezes e, já bem lançado nas minhas devastações, subitamente, na esquina de uma ideia, revejo a torre. Por conseguinte, não a tinha suficientemente demolido. Tenho que voltar ao princípio e encontrar o veneno para ela, e nisto passo tempos infinitos.

E uma vez lido o livro inteiro, lamento-me, pois não percebi nada... naturalmente. Não consegui engordar nada. Continuo magro e seco.

Eu pensava (não era?) que quando tivesse destruído tudo, encontraria o equilíbrio. Possivelmente. Mas o que isso demora, quanto demora!

Um comentário:

Juliana Silva disse...

Ah... o ilusório e tão almejado equilíbrio... Talvez um dia.