26.8.11

"On no work of words", primeira tentativa








“On no work of words” (Dylan Thomas)

On no work of words now for three lean months in the bloody
Belly of the rich year and the big purse of my body
I bitterly take to task my poverty and craft:

To take to give is all, return what is hungrily given
Puffing the pound of manna up through the dew to heaven,
The lovely gift of the gab bangs back on a blind shaft.

To lift to leave from the treasures of man is pleasing death
That will rake at last all currencies of the marked breath
And count the taken, forsaken mysteries in a bad dark.

To surrender now is to pay the expensive ogre twice.
Ancient woods of my blood, dash down to the nut of the seas
If I take to burn or return this world which is each man’s
work.


***


“Sem trabalho de palavra”

Sem trabalho de palavra agora há três meses magros no sangrento
Ventre do meu rico ano e da grande carteira do meu corpo,
Amargamente eu testo minha pobreza e meu ofício:

Tirar para dar é tudo, retorna o que é famintamente dado
Aspirando o peso celestial do chão molhado ao paraíso,
A doce tagarelice explode de volta contra o cego poço.

Erguer para partir dos tesouros do homem é chupar a morte
Que varrerá por fim as moedas da respiração sinalizada
E contará os tomados, renegados mistérios no escuro ruim.

Render-me agora seria pagar duas vezes o expansivo ogro.
Floresta ancestral do meu sangue, afunde-me no cerne dos mares
Se eu incendiar ou devolver este mundo que é o trabalho de cada
homem.

23.8.11

"hoje não, Dylan Thomas"

hoje acordei com o caos lambendo meus cílios,
um frio solar enquanto o apartamento ao lado
era posto abaixo em constantes marteladas.

lidar com o caos que lambe os cílios é como
lidar com algo bondoso, mas doente, algo
próximo do fim e, portanto, majestoso.

tomado por este caos irmão tentei traduzir
um poema do grande D. Thomas, o galês,
On no work of words... mas hoje não, Dylan,

hoje pularei da cama uma britadeira de ossos,
conduzirei minha inflamação de caos ladeira
abaixo junto ao estrondo oco que me pertence.

22.8.11

"ando ouvindo Belchior"

como criança sem pernas mergulho
perplexo sobre o indivisível feixe.
mais que perplexo, e na verdade
não mergulho, empurram-me em direção
ao meu destino de criança sem pernas,
e sou obrigado a me diluir ou morrer.

a escolha óbvia sobrepõe a resolução
das pendengas, sem chance ou esperança
sinto-me pasmo com o rumo das coisas,
caverna e dinheiro, as duas simbologias
me determinam e me arrancam pedaços.
as pernas que me faltam eu tento forjá-las
na cabeça, e nada me resta a não ser criar
um novo gólem, e então admitir: o futuro
é para os mortos, presente a morte anunciada.

com o que chamo de meu corpo desconhecido
parto como quem arrasta o próprio corpo
que cai do oitavo andar, os fundilhos das calças
esfarelam em contato com a pele que
os pernilongos ávidos por mim não me deixam
esquecer que é doce como doce é minha gangrena
quando as hienas se aproximam, e repentinamente
são muitas as hienas sedentas de doçura,
mitologias suicidas seduzem meu coração desesperado,
converso com as pessoas e sinto: não há outra chance
a não ser me diluir entre os operários raivosos de Londres,
partir é preciso, ou morrer, e morrer é mais preciso que partir,
mas como eu consigo manter os pés no chão! – e que pés? –
como é possível que o susto transpareça tamanha
tranqüilidade diante das cores novas!


haverá de ser como criança sem perna.
a raiva será o motor do susto contínuo, os olhos
ficarão bem abertos, a voz (isto é absolutamente necessário)
enrouquecerá a ponto de sumir ou tornar-se súplica do corpo,
então haverá, quem sabe, por fim um corpo a que se fazer ruína,
e a ruína terá então o seu lugar privilegiado de costas para o sol,
e então a carne enfraquecida falará, misturada com empecilhos
de fluidos alquímicos e graves entorpecentes, que por falta
de força e inegável inclinação ao erro em descrença
doce, como hienas são doces, crianças sem perna, meu gólem,
minha invenção em que tampouco me reconheço e, ao contrário,
me sobressai e não anda comigo, porque aqui não andarei
mais comigo, vou me deixar inocular pela raiva dos operários
e fazer com que as palavras tornem-se flores carnívoras,
porque não haverá mais agora o empilhamento
dos pedaços caídos de apenas um dos lados.

trocarei meus pedaços com outros despedaçados
e seremos um enorme corpo de possibilidades de corpo.
esqueceremos um pouco o limite que se avista
do umbral como a face da foice, andaremos até o cansaço,
nem que seja o mesmo caminho, nunca mais sozinhos
e ao mesmo tempo sendo todos um grande acúmulo,
dos nossos pedaços e dos pedaços alheios,
para brotar feito chaga de febre
sobre os ossos da beleza desdentada.

19.8.11

Esta velha angústia (F. Pessoa)

Esta angustia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pasadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que…,
Isto.
Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim…
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino?
Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui?
Está maluco.
Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer – Júpiter, Jeová, a Humanidade –
Qualquer serviria, Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
Estala, coração de vidro pintado!

15.8.11

Ausência (V. de Moraes)

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos

[que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres

[eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz

[e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz

[a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra

[amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para

[a madrugada

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui

[o grande íntimo da noite

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos

[no espaço

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono

[desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos

Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves,

[das estrelas

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz

[serenizada.

9.8.11

"have some respect for an old west indian negro"


o problema é todo nosso: os saques sem teoria.

engolimos a idéia de que buscássemos modos
de aliviar a recente decepção revolucionária.

éramos ainda bebês, e nossos pais sentiam-se
como covardes, derrotados por uma ideia tola.
eles não estavam ali dizendo, firmes e fortes:
“será duro ainda, não acabou nada, estou aqui”.

não, nada disso aconteceu, apenas apreendemos
os frutos do amor e não tocamos mais a semente.

nossos pais, logo ao lado, falavam de outra coisa
quando fomos tragados para uma idéia sem fim,
quando abrimos as partituras infestadas e demos
uma boa lição de civilidade, todos egoistamente
atrás de conforto, a cargo de pequenas caridades.

nascemos da caridade dos tempos, não engolimos
pedras, muito pior: acostumamos com a aspereza
no fundo da garganta, e amamos demais, no fim,
estamos perdidos porque temos um amor amoral,
o único amor que, agora sabemos, é amor demais.

as mortes não serão grande coisa por um tempo,
pais e filhos sentarão ainda à mesa sob risos frios.

uma avalanche não se faz de gelo duro, mas com
uma longa exposição ao sol, letárgica exposição
ao que sabemos chamar vida real mas jamais será
outro mundo como aquele, que resolvemos vestir
com determinação e poucas lágrimas, e a frieza
explícita dos encontros de putaria entre líderes
nas salas barbitúricas onde, sem mais demônios,
fizemos nossas regras e pagaremos com sangue.