Acredito que na raiva somos honestos, e apenas. Acontece que, quando somos honestos – vejam que contraditório – somos em demasia. É o que nos dizem com os olhos: “São em demasia”. Ser em demasia é uma depravação, quase uma apropriação indevida, um luxo adquirido por um assassinato a facadas. Entende-se, portanto, que ser honesto é uma depravação.
Andamos nas ruas à procura de um tombo que nos faça apaixonar por algo: já não cremos na dureza da evolução vertical. Mas no fundo sabemos: os espaços estão acabando, estamos sendo espremidos nos cantos das mesas, e precisamos tomar nossas cervejas escondidos atrás de gigantescos chapéus retóricos. Esse romantismo fora de moda, essa inclinação vexaminosa ao perigo da ternura gratuita, os choros enquanto assobiamos antigas canções que não nos lembram nada, não importa muito de onde trouxemos tal bagagem: estamos cegos e seguimos em direção ao sol amargo da desconfiança.
Um homem deve-se perguntar: o autoconhecimento deve necessariamente representar a morte do amor? Conhecer mata, seguimos suscetíveis aos mais variados melodramas. Estamos vivos, portanto, mas não pertencemos, não fazemos os outros dizerem: “De fato, progridem”, nem sabemos responder às mais simples questões. Ao contrário, sangramos sorrisos e torcemos ainda pelo desregramento de todos os sentidos.
Por que não vieram de uma vez nos alimentar com roupas exageradas e loucos cachecóis? Nos jogaríamos facilmente na degeneração da verdade, através da fantasia, apenas para poder dizer: “É mentira, então posso fazê-lo”. Nosso paradoxo mais emocionante: a depravação nos isola como párias, mas pelo menos promete um pouco de verdade. Nossa única maneira de sentir, o beliscão na pele que machuca e elucida, é sermos contra a verdade. Na negação de tudo, podemos aceitar. A nós – antiga doença – parece fundamentalmente sem sentido afirmar coisas como “agora sim, vejo que tenho”, ou “não é bem isso, mas farei com que seja”, ou ainda “preciso esquecer isso, então pensarei naquilo”. Não temos compartimentos, as guerras internas nos conduzem a um inebriante e mentiroso estado de charme. “Nada me importa”, dizemos sem dificuldade, com a boca trêmula, esperando que algo aconteça, o plágio definitivo que nos permitirá dormir outra vez. Nada acontece, então acendemos um cigarro, e pensamos: “É incrível o domínio que se tem sobre a própria vida”. No fundo, nossa grande aspiração é a de sermos arrebatados por um soco firme nas idéias, o que nos faz beber descontroladamente de uma delicadeza selvagem, felina, como o gato acuado por uma chuva de prata: atávico e bonito crime da vida.
É preciso ser herói ou chafurdar na lama. Queremos os olhos quentes e as nucas expostas em desejos musicais. Não nos obriguem a explicar essa beleza assustada que tende a deixar o corpo nu diante de cruéis expectativas. Criar uma nova espécie antiga é nossa única forma de permanecer. Não viemos apontar os atalhos, estamos vendados com a purpurina barata da lucidez indiferente, vejam com atenção nossos esperançosos caminhantes, como eles pedem, como dão o que nem tem, estão com o peito rasgado, a boca seca, os passos frenéticos de pernas curtas demais, e ali está algo que suplica por provações que justifiquem a nossa tristeza, que não podemos afirmar a não ser com pequenas gracinhas sem pretensão. E, além de tudo, pensem o que quiserem, mas quando agredimos e cuspimos estamos entregando nosso mais precioso bem. O resto é mentira, serve apenas para viver.
Andamos nas ruas à procura de um tombo que nos faça apaixonar por algo: já não cremos na dureza da evolução vertical. Mas no fundo sabemos: os espaços estão acabando, estamos sendo espremidos nos cantos das mesas, e precisamos tomar nossas cervejas escondidos atrás de gigantescos chapéus retóricos. Esse romantismo fora de moda, essa inclinação vexaminosa ao perigo da ternura gratuita, os choros enquanto assobiamos antigas canções que não nos lembram nada, não importa muito de onde trouxemos tal bagagem: estamos cegos e seguimos em direção ao sol amargo da desconfiança.
Um homem deve-se perguntar: o autoconhecimento deve necessariamente representar a morte do amor? Conhecer mata, seguimos suscetíveis aos mais variados melodramas. Estamos vivos, portanto, mas não pertencemos, não fazemos os outros dizerem: “De fato, progridem”, nem sabemos responder às mais simples questões. Ao contrário, sangramos sorrisos e torcemos ainda pelo desregramento de todos os sentidos.
Por que não vieram de uma vez nos alimentar com roupas exageradas e loucos cachecóis? Nos jogaríamos facilmente na degeneração da verdade, através da fantasia, apenas para poder dizer: “É mentira, então posso fazê-lo”. Nosso paradoxo mais emocionante: a depravação nos isola como párias, mas pelo menos promete um pouco de verdade. Nossa única maneira de sentir, o beliscão na pele que machuca e elucida, é sermos contra a verdade. Na negação de tudo, podemos aceitar. A nós – antiga doença – parece fundamentalmente sem sentido afirmar coisas como “agora sim, vejo que tenho”, ou “não é bem isso, mas farei com que seja”, ou ainda “preciso esquecer isso, então pensarei naquilo”. Não temos compartimentos, as guerras internas nos conduzem a um inebriante e mentiroso estado de charme. “Nada me importa”, dizemos sem dificuldade, com a boca trêmula, esperando que algo aconteça, o plágio definitivo que nos permitirá dormir outra vez. Nada acontece, então acendemos um cigarro, e pensamos: “É incrível o domínio que se tem sobre a própria vida”. No fundo, nossa grande aspiração é a de sermos arrebatados por um soco firme nas idéias, o que nos faz beber descontroladamente de uma delicadeza selvagem, felina, como o gato acuado por uma chuva de prata: atávico e bonito crime da vida.
É preciso ser herói ou chafurdar na lama. Queremos os olhos quentes e as nucas expostas em desejos musicais. Não nos obriguem a explicar essa beleza assustada que tende a deixar o corpo nu diante de cruéis expectativas. Criar uma nova espécie antiga é nossa única forma de permanecer. Não viemos apontar os atalhos, estamos vendados com a purpurina barata da lucidez indiferente, vejam com atenção nossos esperançosos caminhantes, como eles pedem, como dão o que nem tem, estão com o peito rasgado, a boca seca, os passos frenéticos de pernas curtas demais, e ali está algo que suplica por provações que justifiquem a nossa tristeza, que não podemos afirmar a não ser com pequenas gracinhas sem pretensão. E, além de tudo, pensem o que quiserem, mas quando agredimos e cuspimos estamos entregando nosso mais precioso bem. O resto é mentira, serve apenas para viver.
2 comentários:
Que lindo isso.. me lembrou minha amiga Clarice Lispector..vai seu meu amigo também.
uma espetacular visão cosmogônica da precariedade e da necessidade (fútil) do homem
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