30.5.10

"delicato ma non troppo"

não sei se é o vento fresco do início do inverno,
misturado ao calor aconchegante de um domingo
pela manhã, sem ressaca alguma, a não ser aquele
contumaz estremecimento estranho por todo o corpo,
que às vezes me leva a falar sozinho noutra língua
e além de tudo, é claro, muita saudade mas não
exatamente de alguém, saudade de uma sensação,
como se eu fosse um homem das cavernas e sentisse
como um homem das cavernas, a ponto de bater
a cabeça nas rochas, mas agora, talvez, por causa
de um monte de coisas juntas ou talvez apenas seja
porque no rádio, sempre nas manhãs de domingo,
existe um programa com as músicas que lembram
nossos pais e avós e todas as namoradas do mundo
e as coisas incontidas do coração, mas agora não há
estrada imediata, há apenas uma longa curva, mas
pelo menos as crianças gostam de mim e sorriem
com minha bela cara de idiota assustado, menos, é claro,
o filho do vizinho e isso eu nunca entenderei por quê,
mas acho que talvez seja porque ele será muito rico
e já me olha com desconfiança, como quem poderá
um dia roubá-lo e é bom mesmo ele ficar de olho aberto
desde agora, mas a mim me importa apenas acordar
nesse domingo de vento veloz e fresco e com muito sol,
e eu acordo e engulo um cigarro no outro e me dói
a garganta e sei que perderei minha voz assim e gosto
do perigo e fico com medo de perder a voz e apago
o cigarro no meio porque preciso da voz para quando
estiver feliz poder cantar no banho e ter coisas bonitas
e feias para dizer a pessoas conhecidas ou estranhas,
e penso que terei em breve uma irmã que se chamará
Marina e Marina Marona será o nome de uma nova
Anita Garibaldi e eu acho que Dorival Caymmi
ficaria feliz com esse nome e faria uma bela canção
cheia de trocadilhos para ela, mas ali está meu pai
porque o rádio toca a “Primeira canção da estrada”
do Zé Rodrix e eu sei, pai, que você tinha apenas 17 anos
e agora temos talvez menos anos ainda porque a vida
explode por dentro e por fora e já não temos todo
esse controle pretensamente humano e, de fato, nunca
amei a ponto de fumar um maço de cigarros apenas
ouvindo música e lendo e além do mais acho que deve
haver mesmo alguma coisa muito errada comigo
para eu ter virado assim um sujeito que escuta
Peninha e Erasmo Carlos e se emociona muito,
com os pêlos do corpo eriçados e se mantém assim,
dançando sozinho no meio da sala de um teatro
sem espectador e é claro que me sentir assim é algo
inevitável quando decidi ao acordar que se deve
apesar de tudo continuar a viver, mas tudo no fundo
se resume à vontade ancestral de te foder outra vez.

3 comentários:

Anônimo disse...

Você é fodão, cara!

letícia bertagna disse...

tentei eleger a parte mais bonita e não consegui, são muitas.

Anônimo disse...

até engasguei no final! que fodida boa imagino que você daria... escrevendo assim, só pode foder bem!