18.4.10

"Paul Verlaine"



Será mesmo que de todas as rugas plantadas não restará uma gota de seiva bruta? Será mesmo essa pergunta ultra-melancólica? Será culpa da lua cor-de-rosa de Nick Drake ou Nick Ray? Será um pouco de exagero nas ironias de Dorothy Parker? Será que o exagero é real e o resto que cabe à minha percepção está deslocado? É preciso sempre procurar um rosto, uma forma esquecida, algo que talvez permaneça – e não seria esta só mais uma visão romântica de alguém pensando tão somente na verdade absoluta com que vão chorar sua morte?

As crises são leves e às vezes tão banais que se confundem com mau-humor. A necessidade de fazer rodar às pressas um mundo cheio de possibilidades truncadas é tão inconcebível quanto os pêlos que crescem sob as bolsas dos meus olhos e no meu pescoço. Os do pescoço eu arranco como nabos. Os outros se adaptaram melhor ao meu corpo, e parecem ter sempre estado ali.

O pensamento repentino sobre os pêlos sobressalentes só pode querer dizer alguma coisa, pensaria um espertinho alemão, mas não eu. A desocupação é tediosa justamente porque ela nos obriga a ver que nos falta ainda muito para admitir que falta alguma coisa. Por que não abri as janelas hoje? Pêlos grossos, que se avermelham nas pontas, a uma distância de quatro centímetros dos olhos...

Ter comprado a antologia de Paul Verlaine não pode ter sido uma atitude totalmente despretensiosa. Isso me deixa irritado e aflito, como se pudesse esbarrar sem querer em alguém na rua e levar uma facada.

Mas na verdade eu pensava em caninos sobressaltados, roía as unhas e lia nomes repetidos nas placas de rua, porque eu via caninos sobressaltados, mas não sabia se a boca sorria ou chorava. Lembrava de alguém dizendo que os achava charmosos assim, para fora. Na minha cabeça havia um ombro de mulher, mas não havia cor – não era preto-e-branco também, mas era certamente uma mulher, porque tinha cheiro, e eu acordei transpirando, com rumores pubianos. Havia a mulher sem cor e a antologia de Verlaine – digamos assim. Em dado momento as duas, obviamente, se misturavam, como nos sonhos. Mas a substância, que ora era mulher sem cor, ora era antologia de Verlaine, estava bem ali, um pouco mais para fora da prateleira – afastada da cena, quase se jogando sobre mim. Verlaine, nunca lerei.

É preciso ter Verlaine por perto, mas é proibido lê-lo, pois ele é o cão lazarento que não sobreviveu à provação de deus. Estou pálido, um gosto esquisito de resina na boca faz tudo ficar muito óbvio. Existe a necessidade repentina de um tapa-olho, um tiro trêmulo no asfalto, um papagaio sobre o ombro, um horizonte de sol infinito, algo que trema de vida, mas sinto vergonha por querer tanto. Uma luz incide suavemente sobre uma cicatriz feminina. Nunca lerei uma linha, Paul, promessa.

Talvez eu esteja perdendo a guerra também. Essa frase me parece equivocada por dois motivos. Pela guerra e por mim. São duas concepções vagas que de algum modo se unem toda vez que existe um período démodé em minha alma, e me tomo de falsidades e delírios. Talvez eu esteja me dissolvendo, para não precisar admitir uma guerra pré-concebida por outros planetas ou seres com muitos olhos, antes ou além de mim. Talvez meu amigo transcendentalista esteja equivocado quanto à massa única da alma. Mas será a minha guerra suficientemente interessante em algum ponto além das derrotas antecipadas pelo irresistível charme do recomeço depois do susto de quem acorda e ainda é noite? Só sei de duas coisas: uma mulher, não lerei jamais.

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