28.11.09

"Ferreira Gullar vai ao shopping"

vejam bem: consta que o poeta Ferreira Gullar foi visto

saindo da livraria nobre, que fica dentro das entranhas

do shopping classe média alta, carcomido, disseram,

às vésperas dos 80 anos, mas ainda elegante, a postura

típica dos guerreiros homéricos, mas só o que importa

é que ele saiu da livraria, desceu pelas escadas rolantes,

repetitivas, tentou talvez observar de soslaio a calcinha

de alguma bela moça desavisada de que havia um poeta

no recinto, um dos grandes, segundo consta, e no andar

de baixo ele, o que escreveu o famosíssimo poema sujo,

deu uma volta inteira, provavelmente pensando no filho

internado no manicômio (estaria ele bem?) e nas dívidas

a serem pagas com prêmios literários frios e aguardados

e, talvez transtornado, sabe-se apenas que o poeta entrou

um tanto confuso, no salão Oficina do Cabelo, e parece

que uma daquelas senhoras muito ricas, mas instruídas,

falou baixinho na orelha da amiga: “aquele não é o poeta

Carlos Drummond de Andrade?”. mas estas são apenas

informações supérfluas, importa mesmo é que ele entrou

no salão Oficina do Cabelo, pediu licença como autêntico

maranhense, então disse, sob a vasta e ainda bela cabeleira:

“por obséquio, senhoritas, queria saber onde fica a livraria”.