Estou à espera de qualquer coisa. Qualquer coisa que se move por perto e me apavora. Me entorta a espinha. Mas é um perto que não posso ver. Não existem milhas ou léguas que nos separam. Estamos em lugares distantes e ocupamos o mesmo espaço. Mas posso sentir seu bafo quente, sua passada larga e lenta, sinto seus dentes rangendo e algo me diz que isso não é nada bom. Digo apenas que posso sentir. Digo mais alto, algo ainda não me convence, então digo muito mais alto, e penso que perdi a razão. Posso sentir. Isso parece uma frase um tanto desesperada, de alguém insensível querendo se justificar. Sentir é algo assim tão amplo, tão vago que preciso andar pela casa a topar com móveis pontiagudos escarnecendo com as mãos para cima. Tenho um pensamento patético, no fundo de outro pensamento óbvio. O pensamento patético é: “O que estou esperando?” Ele está dentro do seguinte pensamento óbvio: “Por que demorei tanto para me dar conta de que precisava me perguntar isso?”. Fatalmente alguém há de ler isso. Se for um canalha, rirá. Um medo equivocado toma conta de mim. Bato as teclas automaticamente e elas parecem grudar-se à tela branca sem vontade, como o demônio deformado que nos persegue nos sonhos ruins. Ele nunca nos alcança, mas sempre quase nos pega, e nunca desiste de correr, assim como eu mesmo que, no sonho, vou me exaurindo, cada vez mais exausto, e começo a ver enormes castelos de areia e penso em Franz Kafka e Ferdinand Céline. Tenho medo, muito medo, estou exausto, por isso começo a fazer citações. A palavra exausto me lembra de que, no meio de todas essas elucubrações revoltantes, continuo à espera, sem respostas, nem mesmo ando, estou à deriva e minto sobre ilhas pré-diluvianas. Nenhum milagre ao redor. Tento desenhar uma andorinha no papel branco. E como seria mesmo uma andorinha? Alguma coisa deve estar muito errada. Não reconheço o que desenhei e apelo a um psicologismo cínico. Deve ser algo mais por dentro. Repentinamente sinto uma vergonha incomensurável e começo a gargalhar. Encho e esvazio copos empoeirados. Sei muito bem que as gargalhadas são muitas vezes as primeiras demonstrações de loucura segundo nossas avançadas metodologias humanistas. Devo me controlar. Os psicopatas dizem sempre a mesma coisa. Devo me controlar. E os olhos já escaparam às órbitas, o saco plástico impede a respiração. Acontece uma espécie de barulho surdo, contínuo, por dentro do ar. O barulho de algo que se aproxima. Algo se aproxima e essa é a única evidência.
O dinheiro está terminando, o país prestes a quebrar. Existem ainda alguns poucos de olhos esbugalhados, enormes papadas, verdes de ganância, por cima da carne seca. Mas são cada vez em menor número e seus dias também estão contados. Estaremos, todos, em breve nos digladiando nas ruas por comida? Não haverá mais o financiador e o financiado, ambos estarão juntos roendo os esgotos de uma belíssima cidade, uma espécie de Grécia babilônica, os restos de uma raça antiga, inusitada e sem explicação? Nada disso importa. Esta frase está fadada ao esquecimento e completo fracasso. Importa tão pouco que me esqueço a cada minuto do que se trata. As montanhas de areia se estendem diante de olhos ainda revoltados. Importa é “para frente amor, estamos vivos!”. Meu deus, recorro a ti, a que ponto cheguei? Toda satisfação é momentânea. Mas nisso é importante não pensar. Os horizontes cor de violeta repousam pavorosamente sobre a visão. E quando me dou conta estou ali, a saliva pastosa nos cantos da boca, os olhos vermelhos para fora das redomas, alguma coceira um pouco mais na direção do espírito sem controle, com o rosto colado às mil portas sem entrada, à espera de qualquer coisa que virá de súbito, arrastando as emoções a chicote, devastando as últimas ameaças do tempo.
Um comentário:
Há tempos não encontro um blog que me arrepie o corpo inteiro, como este faz.
Textos maravilhosos *-*
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