19.3.08

"aquilo"

agora, depois de um tempo sem escrever nada, sinto falta do que antes não era, uma cama quem sabe desfeita, um carinho perdido numa estrofe simples, talvez pelo frio que percorre a espinha por dentro dos mais nobres clichês, aquele medo elástico, o amor como parábola que sai pela saída de emergência, é como se agora, depois de um tempo sem escrever nada, as andorinhas começassem a, finalmente, cair degoladas manchando meu lençol branco, um dia claro, como tais solos de guitarra quando Lou Reed está particularmente inspirado e entorpecido, e não é propriamente o amor, não a carne reflexiva de tantos espaços sem preenchimento, não são as tentativas no escuro, os chutes na parede pelo amor não concebido, as saudades que só falam para dentro, aquela pessoa cuja alma é teu escudo e tua lança, coisas assim, sem muito sentido mas fortes, talvez apenas uma lua cor-de-rosa, o sol nascente dos novos amantes, Nick Drake e um pouco de fé na vida, um cheiro de chá de avó por trás da porta, por debaixo dos lençóis ou mesmo dentro de um foguete, apontar para cima de olhos fechados enquanto se atrasam as trombetas do cataclismo, pensando agora em quem se deve e jamais voltará, "um amor corrompido" eles dirão, "uma doença social", mas agora, depois de um tempo sem escrever nada, isso é muito bom de sentir, e ao mesmo tempo sei que sou eu morrendo um pouco mais daquilo, daquele oco estático, que mantém tudo constante.

2 comentários:

natércia pontes disse...

que lindo as trombetas do cataclismo. leo, vocie é um grande escritor.
muitas saudades,

Daniela Mendes disse...

Esses dias me senti exatamente assim...