Olhou para ele e disse: “gosto de você porque você é tudo e nada ao mesmo tempo”. Ele não entendeu. Mas gostou. Anotou num papel. Depois se amaram violentamente por debaixo das cobertas, como em qualquer casa de família, depois da meia-noite, quando as crianças já estão dormindo, com as orelhas grudadas atrás da porta.
“Você é liberal, faz o meu tipo. Tenho nojo de certos homens. Contigo é só excitação”. Ele não entendeu, mas dessa vez pelo menos fingiu que entendeu. Beijaram-se torrencialmente e depois fizeram as pazes por uma briga da qual nenhum dos dois se lembrava mais, por mais que os dois chorassem copiosamente, até que ela se lembrou: “Foi quando você me confundiu com outra na calçada do edifício”.
“Gosto de extremos. Beijaria você na boca agora, mas o que me interessam são os teus demônios internos”. Ele não entendeu novamente, mas dessa vez se aborreceu. “Não tenho demônios nem anjos internos”, disse a ela. “Sou apenas isso que você está vendo e, em breve, nem isso”.
Ela mudou de assunto, era melhor:
“Sonhei que estava pulando pela janela. Duas vezes na mesma noite. Na segunda vez eu conseguia voar. Na primeira foi lona”. Ele esperou um pouco e não disseram nada. Depois ela disse outra vez: “Sonhar com a própria morte é sinal de sorte”. Ele finalmente entendeu, logo depois de ver pela janela um tênis amarrado pelo cadarço num fio de alta tensão. Despediram-se debaixo de uma chuva fina, as mãos dadas, o céu vermelho do final de um verão.
Ela voltou correndo para casa, fugindo dos respingos e da libido aprisionada. Ele atravessou a rua e morreu atropelado por um táxi. O taxista não parou para prestar ajuda e chorou dali a cinco minutos, com a cabeça encostada no volante, parado num terreno baldio. Ninguém sabe se todos eles tornariam a se encontrar no céu.
Um comentário:
o velho e bom leo.
mary
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