12.12.06

“a morte quase banal de um homem quase comum”

um homem sentado na escuridão do seu pijama
enquanto a morte se atrasa mas espreita pelas cortinas
através de olhos de festim como pústulas envelhecidas.

e o homem sentado sobre o genuflexório da sua alma
espera a morte na cama tal qual catarata noturna
que se atrasa sorrindo em sangue entre os dentes
conforme a louca suicida disse às pedras portuguesas.

o homem transpira pensamentos incompletos sobre seres completos
(seres ausentes ou, ao menos, seres incompletos com astúcia)
enquanto luas e estrelas esparramam-se sobre seu calção frouxo
e de seus dedos brotam as sempre reticentes palavras de formol.

o homem então se vira, pede licença à areia dentro dos olhos
e toma um gole nauseabundo do seu suco de uva reumático,
pensando em artroses e desavenças passadas em panos de prato sujos
sobre a mesa esquecida no dia de ação de graças.

o homem toma o suco diretamente da caixa
e recorda-se de uma vagina toda raspada,
de outros tempos como se fossem outras vidas,
pensa no poeta que morreu de “insulto cerebral” e em seguida
lembra do momento mais penoso do seu último dia,
quando, além dele, duas pessoas foram hipócritas e educadas,
sorridentes ao mesmo tempo no vácuo fúnebre do elevador de porta pantográfica
como os dentes que ficaram de herança para os germes dentro do copo d’água
tais quais hienas invisíveis, indiferentes à noite que jamais terminaria aurora.

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