Ao virar a página 84 do livro, sentiu calor e sono, era bolor e como que um entorpecimento de anestesia. Um sentir exagerado, os lábios inchados. Como um medo mortificante de finalmente entender sem precisar ponderar. Reparou que sangrava. Que diferenças têm o sangue e a vida? Era sua vida que escorria. Era o teto do quarto, claro de idéias, idéias selvagens, indomáveis, azuis e alaranjadas, e ela precisava escolher uma delas para flertar com ela até adormecer. Apanhou o caderno onde anotava suas paixões secretas, suas táticas miseráveis de aborrecimento. Anotou no papel:
O peso dos dias tem sido, não, não há didatismo aqui, não aqui, o didatismo é apenas uma forma de reconhecer a verdade quando se precisa – para forjar um cume, ou um crime – de um vasto continente de cismas tectônicas. Falemos então o que não é verdade, o que não é nada senão uma potência fugidia e desequilibrada. Escrevamos um texto leve hoje, eu junto àqueles por quem fui designada “aos prazeres e às dores”, aqueles que me comandam quando a alma esvazia a carne, e nada mais existe para que tudo possa ser vislumbrado e silenciado pela falta de sentido e pela paz.
Olhar muito tempo para uma coisa significa fazer desaparecer a coisa, tornar-se a própria coisa. Eis a raiz da fragmentação dos corpos, da fusão dos mesmos e, em suma, do tele-transporte das almas, a que damos a denominação precária de amor; para outros, visão. Mas poucos entendem o amor que existe por baixo de todas as cascas do amor. Eu mesma entendo somente as cascas do amor. Mas conheço quem descascou o amor até se tornar o amor e, portanto, sem se reconhecer como tal, ser reconhecido por aqueles em quem se refletia. São os agentes de Clarice Lispector que esvaziam minhas gavetas de madrugada.
Mas este é um texto leve, pretensioso, fadado portanto a alguma expectativa de retorno da parte que me escreve nas vértebras, e é por pensar na minha pessoalidade que eu me confundo com os espelhos nas ruas, tropeço e largo a linha fictícia da minha realidade singular de dor e prazer, e transbordo o amor que carreguei como um camelo por desertos sorridentes de ódio. Estava tudo bem claro: “sou mais aquilo que em mim não é”, o amor esse indizível, sem cascas, irreconhecível, impessoal, o amor que é a maldição de quem ousou fazer dele moeda de troca, pobres corsários! O amor que não é feito de reconhecimento ou troca. O amor que é o amor e meio. O amor que é leve como o fim.
Vela-cortina-chamas, por traz da grama prateada, os olhos injetados de um terreno seco, em fundo vangoghiano a mão enrugada de quem um dia soube, agarrada à cauda dos sonhos com um lápis de ponta quebrada.
O peso dos dias tem sido, não, não há didatismo aqui, não aqui, o didatismo é apenas uma forma de reconhecer a verdade quando se precisa – para forjar um cume, ou um crime – de um vasto continente de cismas tectônicas. Falemos então o que não é verdade, o que não é nada senão uma potência fugidia e desequilibrada. Escrevamos um texto leve hoje, eu junto àqueles por quem fui designada “aos prazeres e às dores”, aqueles que me comandam quando a alma esvazia a carne, e nada mais existe para que tudo possa ser vislumbrado e silenciado pela falta de sentido e pela paz.
Olhar muito tempo para uma coisa significa fazer desaparecer a coisa, tornar-se a própria coisa. Eis a raiz da fragmentação dos corpos, da fusão dos mesmos e, em suma, do tele-transporte das almas, a que damos a denominação precária de amor; para outros, visão. Mas poucos entendem o amor que existe por baixo de todas as cascas do amor. Eu mesma entendo somente as cascas do amor. Mas conheço quem descascou o amor até se tornar o amor e, portanto, sem se reconhecer como tal, ser reconhecido por aqueles em quem se refletia. São os agentes de Clarice Lispector que esvaziam minhas gavetas de madrugada.
Mas este é um texto leve, pretensioso, fadado portanto a alguma expectativa de retorno da parte que me escreve nas vértebras, e é por pensar na minha pessoalidade que eu me confundo com os espelhos nas ruas, tropeço e largo a linha fictícia da minha realidade singular de dor e prazer, e transbordo o amor que carreguei como um camelo por desertos sorridentes de ódio. Estava tudo bem claro: “sou mais aquilo que em mim não é”, o amor esse indizível, sem cascas, irreconhecível, impessoal, o amor que é a maldição de quem ousou fazer dele moeda de troca, pobres corsários! O amor que não é feito de reconhecimento ou troca. O amor que é o amor e meio. O amor que é leve como o fim.
Vela-cortina-chamas, por traz da grama prateada, os olhos injetados de um terreno seco, em fundo vangoghiano a mão enrugada de quem um dia soube, agarrada à cauda dos sonhos com um lápis de ponta quebrada.
10 comentários:
se eu pudesse, agora, eu simplesmente não diria nada.
mulher.
textura-carinho-vagar.
b r i l h o
hoje durmo na saudade da guilhotina, na cama lençol e nuvens, estou deitada já há uma eternidade.
até agora, li sem ler.
calma, espera, não posso nascer hoje.
ciúmes, deixei meu amor largado desmedido por aí.
não pude falar dele porque já roubavas a voz, que nunca mais tive como agora.
e eu... eu quase que acreditei. eu quase antiga no revolver dos sonhos. não, não vamos ser claros, não tão. em que estrela distante este lápis me atirou contra o céu? agarro a linha desta última fantasia, desço e fogo e mais. eis como ela adentra, realidade.
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