31.10.06

“por trás dos hospitais”

Hospitais sempre foram para mim um estímulo sexual indescritível e vergonhoso, quase de perversão. Depois de pensar sobre por que é assim, cheguei à conclusão provisória de que, como o sexo é a negação da morte e o hospital é o ambiente de morte por excelência, então o estímulo sexual que ele me provoca – através de portas entreabertas, jalecos brancos com assinaturas dos nomes das enfermeiras em letras de formato clássico, a brancura devassa dos pesadelos molhados de meias-calças até o início das coxas, e até mesmo as macas vazias num canto do corredor – talvez venha de uma tentativa desequilibrada de tentar inconscientemente equilibrar os pólos: contudo um instinto profundamente moralista.

No hospital, até mesmo os elevadores apresentam clitóris secretos. Tudo parece lascivo, como se não se pudesse escorregar por paredes geladas de éter, como se não poder pensar no assunto fosse mais erótico do que o próprio assunto pensado em pequenos atos. Um lugar simbolizado por cruzes, onde é proibido sorrir, por vergonha dos moribundos e mortos e vivos mortos que circulam. Num lugar como este, a libido é a única forma de reação carnal contra a putrefação. Isso ou os olhares baixos que dizem amém ao diabo. Porque pensar muito é mentir. E sentir é se corromper socialmente. Portanto, quem se veste de branco todo o tempo está fadado ao pecado.

Foi lá também, no refeitório, que pensei sobre outro assunto diretamente ligado ao sexo:

Por que é comum homens perderem a vida por mulheres desequilibradas de personalidade explosiva, violentas?
Porque o sexo, que é o que move as pessoas de encontro umas com as outras, acima de tudo, é um processo desequilibrado, sem igualdade. Ao contrário do que os pares exigem, e daquilo que dizem os especialistas e os hipócritas, o sexo não é uma negociação estabelecida em percentagens. É um jogo de azar injusto, violento, desmedido, mafioso, muitas vezes estúpido, bestificado. Essa é a verdadeira raiz humana, e sua tragédia. Por isso continuamos gregos, mesmo mortos. É o que nos torna verdadeiros, aliás, de acordo com a espécie quando observada com o devido afastamento. E normalmente a verdade não é fácil de suportar. A verdade não é equilibrada. A verdade não é nem mesmo verdadeira. E as mulheres desequilibradas são portanto mais livres, inteiras. E isso as torna sexualmente mais atraentes. O sexo que é a vingança da vida contra a morte. E que talvez seja a única verdade total, porque nega. Afinal, as relações humanas são apenas extensões sociais dos nossos instintos e erros, os mais vergonhosos e primordiais.

5 comentários:

Anônimo disse...

Sua noção da sexualidade humana é bem antropológica. Rompe não exatamente com tabus, mas com paradigmas da nossa sociedade. Andou lendo algo a respeito [ tem tutores] ou se criou sozinho? Pelo que sei, se criou sozinho. Ótimo!

leonardo marona disse...

malcriei sozinho, sempre acompanhado. na verdade tirei tudo do phillip roth e assinei.

natércia pontes disse...

orgasmo em francês é petit-mort, sabia?
um beijo,

leonardo marona disse...

não sabia, achei que fosse petit-pois. mas talvez petit-pois seja maior que a morte pequena.
um beijo,

Anônimo disse...

pensei numa coisa muito suja.