3.10.06

“laços de bronze”

pai...
quando vi os olhos de bronze
de Drummond e Mário Quintana
num banco da Praça da Alfândega
ouvi sinos – talvez de uma igreja
e me lembrei de um domingo
quando engolimos calados nossa ceia
porque afinal era domingo de natal
e depois, já na rua, lembrei também
que estávamos bêbados e sentimentais
e você falou comigo através de ombros
sobre um texto meu que tinha lido
sobre você e sobre seu próprio pai.

e me lembrei que você enxugava os olhos quando voltei do banheiro
e comemos arroz amarelo com tempero indiano e peixe ao sal grosso
e que o garçom te conhecia pelo nome, o que me deixou feliz.
lembrei de tudo atravessando a praça sob olhos de bronze,
inclusive daquelas frases silenciadas por soluços de fome
e, além destas, coisas tão importantes quanto pequenas,
quanto o silêncio que as cobriu de pó sobre nosso baú.
lembrei também de como estou longe agora
do abraço que nunca te dei conforme os braços tremiam
porque queria um abraço mais longo do que a verdade.
lembrei também de que quando saímos do restaurante
– bêbados e sentimentais, assobiando uma canção antiga italiana
para que palavras indefinidas não estragassem o momento mágico –
passamos por um sinal vermelho por volta da meia-noite de natal
e um menino de rua se aproximou com um pacote de balas e lágrimas negras
e você deu a ele uma nota de 50 reais e então fomos embora em silêncio
como se estivéssemos ambos envergonhados por não ter feito algo melhor.

então chorei no meio da praça
(eu a criança que cavou a esperança na calçada)
como se fosse eu mesmo aquele menino de rua
que olhava pela janela do carro
duas pessoas que se amavam
sem saber como lidar com isso
a não ser de forma natural,
o que significa deixar o saber de lado.
e sei que Drummond talvez julgasse isso mal
e que talvez Quintana preferisse falar de sapatos,
mas foi preciso escrever isso para adocicar meus passos,
pois meus olhos tentam burlar tua falta mas ardem como sal,
pai...

5 comentários:

natércia pontes disse...

que coisa mais linda da vida.

CFagundes disse...

pai é bom

Anônimo disse...

Poxa Leo, esse foi demais!! Quando a Ju me disse que era um texto maravilhoso, não esperava que me tomasse tanto! Sei que isso vai parecer só uma declaração superficial... mas você é incrível!


Que bom poder te ler.

leonardo marona disse...

não, Gi, não parece não.

um beijo grande.

Anônimo disse...

É sempre um prazer ler qualquer coisa que você escreve, mas esse texto está incrível, até mesmo pra você, que só escreve coisas incríveis...

Nem sei se você vai ler isso - já faz um tempo que postou - mas eu tinha que dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Pra mim, com o meu pai (com quem eu tenho uma relação relativamente difícil desde que fiquei velha demais pra o simples ato me pegar me rodar no ar já não ser o bastante pra resolver nossos impasses, mas a quem eu amo de paixão) lá na África do Sul, esse texto diz muito. E toca fundo.

Obrigada!