10.8.06

“amorosa loucura”

tudo isso que calo
e com gritos se acumula em calos
tudo isso que se esconde
por dentro do pus, por trás dos montes...
ansiosamente no fundo falso de olhos calmos
isso tudo que faz dos meus olhos ímãs de pedra
e que do meu estômago só a terra herda
e que por vezes se revela intransigente
e suplica aos céus enquanto escorre entrementes
e se arrepende sem culpa de movimentos atônitos
e que noutras instâncias se codifica em ternura crônica
isso que me revira por dentro como um pavor manso
vapor de um navio submerso num cais marroquino
e me faz querer tudo e depois não querer mais nada
e por vezes me força a engolir guarda-chuvas abertos
e me afeta as relações mundanas e me tira o cansaço
por mais que não sinta mais as pernas, os braços...
isso que funde em ferro minha alma em muros
e me leva a perambular pela noite cuspindo chumbo
o que de uns se cansa, noutros se gruda
toda essa falta de fome, toda essa dor aguda
tudo isso que filólogos tentam em vão domar
com suas sobrancelhas enciclopédicas
porque agem como se não fossem parte da mesma matéria
única – universal – intangível
do que por medo abdicam: verdadeira fagulha
o instante inexato entre o comprimido e a esperança
esses fantasmas que se apresentam à noite na tua ausência
enquanto todos dão nomes a curas sem enfrentar a doença
isso que me torna capaz de gritar silêncios em claves de sol
esse gosto amargo que me enche de doçura muda
e sustenta quieto num canto escuro as gostas de suor
isso que alguns céticos chamam de loucura
de olhos fechados eu te anuncio: meu amor!

Um comentário:

Anônimo disse...

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