9.6.06

“valsa muda”
como se descosturasse as costeletas encardidas do sol
e lambesse o choro do mar com língua de metal
descarrego minha dignidade petrificada
e dos olhos os sonhos me esfaqueiam
de perdão sem dentes. em meio
à bondade e à culpa
volto ao início
olho para trás
e nunca mais
o mesmo ruído de precipício
apenas latas esquecidas ao vento
no vento que mantém vivas as latas
e as empilha intactas sobre duas patas
dentro de outras latas maiores e mais rápidas
no enxame negro dos bêbados cuspidos pelos bares.

e por dentro da chance repentina nos porres de mágoa
como se da rua eu fosse o zinco e da lua a prata
e da estrela eu fosse a visão tímida de cobre
penso em tudo que há dentro de mim
e morre. sobrepujado pelo corte
volto ao início
olho para trás
e nunca mais
olhos de ferro sorridentes
apenas cabelos brancos cadentes
e saúvas obstinadas congeladas de pavor
emolduradas num quadro de cores sem nexo
lembranças corroídas junto a minha mão leprosa
bichos da lama - que permanecem - aguardem meu regresso!

voltarei com as ilusões secretas derretidas em ampulhetas
ficarei desnutrido no meio e vago nas pontas de vidro
como o tempo que não passa neste poema
e empilharei os ossos sobre o destino
e sobre o monte esperarei por ti
vão o vento se vão as velas
volto ao início
olho para trás
e nunca mais
uma praça onde crianças
escondem a coragem dos adultos
na cor magra que estala as costas do mundo.
e sem entender continuarei cem pés na mesma dança
esperando a chuva que varra com tudo essa valsa sem música.

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