“Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu processo mental. Trata-se de um caso semelhante ao do aluno que, ao aprender a escrever, traça com a pena as linhas que o professor fez com o lápis. Portanto, o trabalho de pensar nos é, em grande parte, negado quando lemos”.
“Como as pessoas lêem sempre em vez do melhor de todos os tempos o mais recente, os autores permanecem na esfera estreita das idéias circulantes, e o século se enterra cada vez mais profundamente nos seus próprios excrementos”.
“É por isso que, no que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante. Esta arte consiste em nem sequer folhear o que ocupa o grande público, o tempo todo, como panfletos políticos ou literários, romances, poemas, etc., que fazem tanto barulho durante algum tempo, atingindo mesmo várias edições no seu primeiro e último ano de vida: deve-se pensar, ao contrário, que quem escreve para palhaços sempre encontra um grande público”. “Para ler o bom uma condição é não ler o ruim: porque a vida é curta e o tempo e a energia escassos”.
“Eu, porém, agradeço o destino que me apresentou ainda na juventude o belo epigrama de A.W.Shlegel que, desde então, é minha estrela-guia:
Leia os antigos com cuidado, os antigos de verdade:
O que os novos dizem deles quase nada significa"
*A passagem de Lichtenberg diz: “Acho que em nossos dias se persegue a história das ciências demasiado minuciosamente, para grande detrimento da própria ciência. Ela é de leitura agradável, mas deixa a cabeça não exatamente vazia mas, de fato, sem força; justamente porque a enche tanto. Todo aquele que já sentiu em si a vontade de não encher sua cabeça, mas sim de fortalecê-la, desenvolver suas forças e aptidões, expandir-se, terá notado que não há nada mais chocho que conversar com um dos chamados literatos científicos sobre algo em que ele mesmo não meditou, mas de que sabe mil circunstâncias histórico-literárias. É quase como ler um livro de receitas quando se está com fome. Acho também que, entre as pessoas que pensam, que sentem seu próprio valor e o da verdadeira ciência, a assim chamada história literária nunca os empolgará. Essas pessoas usam mais a razão do que se preocupam em saber como os outros usaram as deles. O que é mais triste neste caso, como se comprova, é que quanto mais aumenta a tendência para as pesquisas bibliográficas em uma ciência, mais diminui a força para aumentar a própria ciência, e só cresce o orgulho pela posse da ciência. Pessoas desse tipo pensam mais na posse das ciências do que seus verdadeiros possuidores. É certamente uma observação com fundamento que a verdadeira ciência nunca torna seu possuidor orgulhoso; ao contrário, só se deixam inflar de orgulho aqueles que, por incapacidade de aumentar a própria ciência, dedicam-se ao esclarecimento de seus detalhes mais obscuros, ou sabem recontar o que os outros fizeram, pois consideram essa ocupação principalmente mecânica como o próprio exercício da ciência. Eu poderia provar isto com exemplos, mas os exemplos são coisas odiosas".
Fonte: SCHOPENHAUER, Arthur. Trad. HUMBLÉ, Philippe; COSTA, Carlos C. Sobre Livros e Leitura. Ed. Paraula. 1994.
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