O trecho abaixo, como outros aqui reunidos, foi recortado do livro A Vida de Mozart (Ed. Revan, 95 págs. R$ 12), biografia do compositor austríaco, escrita por Stendhal. Da leitura fica, portanto, o sumo do néctar da rosa, ou melhor, do cravo. Tudo que estiver em negrito foi destacado do livro de Stendhal.
Após o texto, aos possíveis interessados, uma canja da criança que chorava a quem lhe negasse amor. Agora, cornetas por favor, Stendhal:
Jamais Mozart tivera um salário tão considerável. Cabia-lhe o cargo de compositor do palácio, que nunca exerceu. Foi-lhe pedida certa vez, devido a uma das ordens gerais do governo, frequentes em Viena, uma opinião sobre o salário que recebia da corte (800 florins).
Escreveu num bilhete lacrado:
“Muito para o que faço, muito pouco para o que poderia fazer”.
Além de chorar e ter convulsões só de ouvir o sopro de um trompete, que o pai, também músico, tentava sem sucesso lhe apresentar, Mozart não sabia cortar a própria comida, era ultra-sensível, a ponto de, quando criança, perguntar às pessoas na rua se elas o amavam, e se algum gaiato dissesse que não, mesmo de piada, chorava copiosamente sem disfarçar a dor da rejeição. Mozart era mesmo um exagerado. Isso fica claro na sua música. Não falta nada nela, ao contrário, mesmo quem não gosta dela se irrita, justamente porque não falta nada. Não há muito que dizer. Mesmo no seu Réquiem é possível ouvir o grito de uma criança engaiolada, uma vontade mórbida de viver num mundo cada vez mais incompreensível para uma alma desgarrada. Mas, segundo Stendhal, Mozart era muito modesto, e mais autocrítico do que se possa imaginar. Colocava Haendel acima de todos:
“De todos nós – dizia – Haendel é o que conhece melhor o que produz um grande efeito. Quando quer, vai e corta como um raio”.
(...)
Em 1785, o célebre Joseph Haydn disse ao pai de Mozart, que estava então em Viena:
“Declaro, diante de Deus e com honestidade, que considero seu filho o maior compositor sobre o qual jamais ouvi falar”.
E em defesa de Haydn, certa vez Mozart disse, num tom um pouco brusco, a um compositor de certo talento, mas invejoso, que tinha o prazer de procurar defeitos, os quais chamava de “falhas de estilo”, nas suas composições, e de vir insistentemente mostrá-los a Mozart, com alegria nos olhos:
“Senhor, se nós dois fôssemos fundidos, ainda assim não se encontraria com o que fazer um Haydn”.
Apesar de gênio, como muitos gênios, era meio feioso e pálido – mesmo que os pais tivessem sido duas figuras atraentes –, bastante desorganizado e tinha um desenvolvimento físico anormal. Mas sua característica gritante era a mobilidade quase espasmódica de seus movimentos, que transpareciam as sensações de dor ou prazer. Uma pessoa desatenta poderia facilmente confundi-lo com um completo idiota. Mexia sem parar as mãos, fazia careta, batia o pé no chão. Fora isso, amava o bilhar, que jogava sozinho em casa, quando não havia outra companhia. O que prova que a Mozart agradava a própria companhia. Não pensava jamais no que nós chamamos de “coisas sérias”, porque sua cabeça estava constantemente tomada por uma série de idéias em cascata. O prazer do momento era o que lhe importava. Só tocava por diversão, jamais por outro motivo.
Tinha ataques de faniquito também, como na vez em que, de passagem por Berlim, perguntou ao porteiro do hotel se havia alguma ópera na cidade. “Sim, O Rapto das Sabinas” – disse o homem. “É encantadora”. Mozart largou suas malas e foi correndo para o teatro. Queria saber como sua obra estava sendo tratada. Para não ser reconhecido, sentou bem no fundo da platéia, enfiado num casacão. Mas quanto mais irritado ficava com a execução desleixada da orquestra, mais se aproximava do palco. Até que, num deslize do fagote, interrompeu o maestro. Gritou bem alto e de pé, para que toda a orquestra o pudesse enxergar e entendesse o modo como a música deveria ser tocada. Alguns cantores, com o ego machucado, se negaram a continuar a apresentação, e só voltaram ao palco depois que o próprio Mozart foi ao camarim lhes rasgar elogios.
O Imperador José (da Áustria), que bisbilhotava tudo, pondo os olhos no papel de música que Mozart parecia seguir (numa apresentação oficial para a corte), surpreendeu-se ao não ver senão linhas sem notas, e disse:
“Onde está sua parte?”.
“Muito para o que faço, muito pouco para o que poderia fazer”.
Além de chorar e ter convulsões só de ouvir o sopro de um trompete, que o pai, também músico, tentava sem sucesso lhe apresentar, Mozart não sabia cortar a própria comida, era ultra-sensível, a ponto de, quando criança, perguntar às pessoas na rua se elas o amavam, e se algum gaiato dissesse que não, mesmo de piada, chorava copiosamente sem disfarçar a dor da rejeição. Mozart era mesmo um exagerado. Isso fica claro na sua música. Não falta nada nela, ao contrário, mesmo quem não gosta dela se irrita, justamente porque não falta nada. Não há muito que dizer. Mesmo no seu Réquiem é possível ouvir o grito de uma criança engaiolada, uma vontade mórbida de viver num mundo cada vez mais incompreensível para uma alma desgarrada. Mas, segundo Stendhal, Mozart era muito modesto, e mais autocrítico do que se possa imaginar. Colocava Haendel acima de todos:
“De todos nós – dizia – Haendel é o que conhece melhor o que produz um grande efeito. Quando quer, vai e corta como um raio”.
(...)
Em 1785, o célebre Joseph Haydn disse ao pai de Mozart, que estava então em Viena:
“Declaro, diante de Deus e com honestidade, que considero seu filho o maior compositor sobre o qual jamais ouvi falar”.
E em defesa de Haydn, certa vez Mozart disse, num tom um pouco brusco, a um compositor de certo talento, mas invejoso, que tinha o prazer de procurar defeitos, os quais chamava de “falhas de estilo”, nas suas composições, e de vir insistentemente mostrá-los a Mozart, com alegria nos olhos:
“Senhor, se nós dois fôssemos fundidos, ainda assim não se encontraria com o que fazer um Haydn”.
Apesar de gênio, como muitos gênios, era meio feioso e pálido – mesmo que os pais tivessem sido duas figuras atraentes –, bastante desorganizado e tinha um desenvolvimento físico anormal. Mas sua característica gritante era a mobilidade quase espasmódica de seus movimentos, que transpareciam as sensações de dor ou prazer. Uma pessoa desatenta poderia facilmente confundi-lo com um completo idiota. Mexia sem parar as mãos, fazia careta, batia o pé no chão. Fora isso, amava o bilhar, que jogava sozinho em casa, quando não havia outra companhia. O que prova que a Mozart agradava a própria companhia. Não pensava jamais no que nós chamamos de “coisas sérias”, porque sua cabeça estava constantemente tomada por uma série de idéias em cascata. O prazer do momento era o que lhe importava. Só tocava por diversão, jamais por outro motivo.
Tinha ataques de faniquito também, como na vez em que, de passagem por Berlim, perguntou ao porteiro do hotel se havia alguma ópera na cidade. “Sim, O Rapto das Sabinas” – disse o homem. “É encantadora”. Mozart largou suas malas e foi correndo para o teatro. Queria saber como sua obra estava sendo tratada. Para não ser reconhecido, sentou bem no fundo da platéia, enfiado num casacão. Mas quanto mais irritado ficava com a execução desleixada da orquestra, mais se aproximava do palco. Até que, num deslize do fagote, interrompeu o maestro. Gritou bem alto e de pé, para que toda a orquestra o pudesse enxergar e entendesse o modo como a música deveria ser tocada. Alguns cantores, com o ego machucado, se negaram a continuar a apresentação, e só voltaram ao palco depois que o próprio Mozart foi ao camarim lhes rasgar elogios.
O Imperador José (da Áustria), que bisbilhotava tudo, pondo os olhos no papel de música que Mozart parecia seguir (numa apresentação oficial para a corte), surpreendeu-se ao não ver senão linhas sem notas, e disse:
“Onde está sua parte?”.
“Aqui – respondeu Mozart, colocando a mão na sua fronte”.
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