25.4.06

“possível teorema da solidão”

o impossível de ter me fascina de longe
faz desejar com desesperança
o sentimento enterrado nas lembranças
trespassadas de mágoas incompreendidas
e libido constipada.

faz querer nascer outra vez
para tentar morrer melhor
de forma mais digna do que vendendo livros
esburacados de traça com antigas dedicatórias
de alunos sem graça para suas professorinhas
histéricas mas contidas numa calçada fria.

o incesto passivo se esconde
no suicídio de um senhor que cai
sobre a xícara de chá numa varanda
de azulejos brancos de frente
para o Mar Adriático ao som
de Pepino de Capri cantando
Saint Tropez Twist.

ainda bem menino, meu coração voou pela janela
mandei que apanhasse a correspondência da paixão
eu até posso entender que a paixão jamais espera
mas o que fizeram com o meu amor?
o coração tinha levado para dar sorte.

passei anos da minha vida olhando pela janela
não havia nenhum motivo especial para isso
sem coração, amor ou paixão, fiquei confuso
– eu não sabia pelo que estava esperando –
mas a sensação era de algo avassalador
que me varreria do planeta para sempre
ou me iluminaria de otimismo e esperança.

nada me veio
que valesse espera tão aflita
por sabe-se lá.

alguns pombos que tentei matar
porque não gosto deles
porque não gosto dos seus olhos
pálidos
indiferentes
estúpidos
que lembram tanto os meus olhos.

alguns casais trajados com meia de escritório
fazendo sexo rápido aos olhos da televisão
para voltarem às suas revistas de moda
que é tudo aquilo que todos querem
mas ninguém precisa a não ser a televisão.

persianas
fechadas
rachadas
desbotadas
empenadas
mais solitárias
do que eu.

alguns belos pares de seios cansados mas dignos
belas bundas lavando vidros que são celas de pó
homens tão ou mais esperançosos do que nós
outros como estou agora que sentir não basta.

cabelos começaram a cair nos projetos
a chuva secou nos sonhos de cachoeira
a estrada é esburacada e sempre cheia
de amistosos intervalos da cor da neve.

neles você pára e pensa que algum dia
compreenderá a relação entre as coisas
entre as frutas frescas e os fetos no lixo
entre o diamante polido e o faminto tratante
entre o crime forjado e a gravata borboleta

entre mim e você
quem nunca vi
senão com ciscos
quem nunca amei
senão com medo
da solidão de mim
quem nunca senti
porque para sentir
teria que ser.

nos amistosos intervalos
vou pensar que um dia
conseguirei ver sentido
em homens trocando medalhas
em espetos nas costas de touros
em pessoas dançando num salão
nos sorrisos de educação desconfiada
e todas essas bobagens que fazemos
quando nos empilham idéias na cabeça.

o desespero pelo esquecimento da minha pessoa
quando dela eu me despedir
será menor ou maior
que o desespero do esquecimento da pessoa
de Fernando Pessoa
quando dela ele se despediu?

digo a vocês, cânones da arte idolatrada pela teoria confortável:
nenhum desespero é tão grande quanto o desespero que se sente.

meu peito não é costurado
fora um remendo no centro
talvez meu coração tenha escapado
por ali quando foi atrás da minha paixão
que agora está a quilômetros de distância
mas ainda pensa em mim nos dias nublados
espero que consiga pensar com tolerância.

meu carinho é todo distribuído
entre matagais e desconhecidos
de modo que não me sobra nada
então que isso me desagrada
vira mágoa o que antes acarinhava.

na qualidade do carinho dado
este é um possível teorema para a solidão
mais do que isso só se, na janela: coração
e muito bem acompanhado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Belissimo, Joe.

Anônimo disse...

fiquei sem fôlego, Leo. Muito bom.
um cheiro de mary