14.3.06

"o silvo antes do tiro"

não adianta enrolar cachos e abrir a boca
olhando para as formigas que fazem fila
na fenda azulejada da parede encardida.

aquilo no que você não suporta pensar
vai vir e vai se instalar naquele espaço...
...espaço vazio entre o que você não tem
e aquilo que você não sabe dar a ninguém
aquele espaço antigo, pequeno e traiçoeiro
que nega teu reflexo diante do véu espelho.

mas mesmo sabendo que não adianta
foge tu de ti dali para debaixo da cama
como numa antiga cantiga de ciranda
lá embaixo, sem deus, não tem medo
e pensa nos espaços que já foram cheios
cheios de risos, dentes, silêncios, cheiros
tão só teus suores e sons que eram meios
de te manter livre e distante de ti mesmo.

agora é esse vento que não venta cabelo
essa alma lavada água sanitária sem cor
agora que sentes como se mil espelhos
te perseguissem pelas sombras da casa
enquanto foges do que te leva às janelas
que um dia abriram e disseram: é tudo teu
mas agora fecham e dizem: sei o que pensas.

sabes que não adianta ouvir janelas então fica
mais um pouco comigo na cama desarrumada
ah como minha alma é parecida com tua cama!
mas para mim é tão vergonhoso falar em alma
quando ela não passa de um pássaro sem graça
que pousou num fio, soltou seu sino macio silvo
até que - PÁ! - não viu nem de onde veio o tiro
apenas penas se deitam no que resta da carniça.

3 comentários:

Anônimo disse...

"...nas águas mais paradas é onde encontramos as maiores profundidades". Henry Chinaski

leonardo marona disse...

pois é bom que termine de uma vez esse maremoto, Hank.

Anônimo disse...

... afundei e morri. Vamos deixar para lá